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Desafio do Coco 2018- 32km em 10/03


   A inscrição aconteceu no impulso. Não queria perder uma corrida tão bacana em minha terra natal. Mas surgiu uma viagem de última hora pra o Rio de Janeiro pra uma festa de 40 anos. Eu teria que passar a manhã inteira correndo em Catu, voltar, pegar minha mochila, pegar o vôo 17h, chegar na festa e dançar até de manhã. Seria uma odisseia!
   Corrida em trilha é bom porque não tem navegação. Tem gente que se perde, mas não é essa a pegada. Embora não seja o meu esporte favorito, tem outros desafios interessantes, que diferem da corrida de aventura... Tive tempo pra treinar, apesar de ter levado falta em alguns dias. Estava meio que pronta pra enfrentar o desafio. Os dois.
   Acordei às 4 da matina sem fazer muito barulho, comi, peguei minha mochila e fui. Com aquela velha sensação de ter esquecido alguma coisa, cheguei em Catu 6:40h. Não esqueci nada, rs! Depois de pegar o kit atleta, fiz um social básico. Encontrei amigos queridos de infância, amigos de Corrida de Aventura, da Escola de Aventura, gente como o diacho. A comunidade de Sítio Novo é super receptiva, o lugar muito fofo! E já era desde que trabalhei no postinho de saúde de lá em mil novecentos e bolinha. Um jardim bem cuidado, as ruas limpas, sem contar que o evento deu um brilho especial.


   A largada aconteceu na pracinha da igreja com um atraso de 40 minutos. O suficiente para o sol cumprir seu papel: esquentar tudo. Catu fervia junto com os atletas, que largavam no maior gás pra vencer seus desafios nas várias categorias oferecidas na prova.
   Meu objetivo era correr o mais rápido que pudesse e pegar um pódio. E quem não quer?
   Quando larguei, procurei ficar entre os atletas que estavam na frente. Logo de cara apareceu uma ladeira bem íngreme em direção ao cemitério. Subia no trote, mas logo percebi que não sustentaria aquilo por muito tempo. A única “adversária” conhecida era Denise, e ela estava bem pertinho de mim.


   O singletrack escroto que enfrentamos ao lado do cemitério, travou todo mundo numa descida, que ainda tinha um tronco de árvore atrapalhando bastante. O povo gritava, reclamava... Também dei uns gritos, mas aproveitei pra aliviar a respiração. Dava pra ver os outros atletas subindo na ladeira que ficava adiante. Oh dó, a minha amiga Denise ia lá na frente, RS! E eu ali, parada, impotente. Mas nossa prova só estava começando, não era momento para lamentos. Nunca é!
   Minhas pernocas estavam muito doloridas! TPM é uma merda! Tenho um peso esquisito nas pernas. Ficar inventando desculpas também é uma merda! Lembrei que tinha feito um treino de 22km quinze dias atrás, mesmo cansada de um dia inteiro na Escola de Aventura, bem melhor... O que estava rolando? Hum, aquele treino foi à noite. A “lua” que estava ali era outra, o dia seco, empoeirado. Subimos até uma torre e descemos novamente, passando pelo local da largada com uns 5km de prova. Dali, seguimos por uma área conhecida, onde fiz um treino de bike com Show, organizador da prova. Estradão com pouca sombra, um calor insuportável que me fazia refletir se era mesmo possível pegar o vôo das 17h. Precisava terminar com menos de 4 horas de prova, mas naquela velocidade de tartaruga, seria muito difícil. Minha água da mochila estava bem geladinha. Só que eu precisava de água na cabeça. O calor comia no centro.
   No km 7, pensei se não seria melhor parar por causa da viagem. A Luciana que mora dentro de mim, começou a questionar. Quase 1 hora de prova e eu sequer passara dos 8km. Pelas minhas contas, não fechava. Talvez, se respirasse fundo e apertasse o passo. Se desistisse daquela prova, jamais esqueceria. Precisava parar de subir as ladeiras no trekking. Que sofrimento!
   Lá pelo km 8 ou um pouco mais, fui alcançada por um corredor. Trocamos algumas palavras e ele passou à minha frente. Nas costas da sua camisa, uma frase longa instigou minha curiosidade. Imaginei, antes de ler: “Deve ser uma frase motivacional!”. Li.
   - Se você está lendo essa mensagem é porque é mais lento do que eu.
   Pensei:
   - Pôxa, que frase de mau gosto! Kkkk! Deselegante.
   Motivacional! Fui remoendo aquele texto. Ora passava por ele com seus amigos, ora revisava o texto. E acho que, se tivesse que colocar uma frase nas costas, seria: “Falta só mais um pouco, você consegue.” “Sou lenta, mas não paro.” “Posso ajudar?”... Fui tagarelando comigo mesma.
   Aff! Nunca odiei tanto eucaliptos! Como sabemos, uma plantação de eucaliptos desequilibra o ambiente, seca tudo, não nasce nada em volta. Nenhum bicho quer viver lá. O cheiro que antes curtia, nem conseguia sentir. Folhas secas no chão arenoso, poeira, sol de 38°C e um calango ou outro fugindo dos passos rápidos dos corredores. Nem pra fazer sombra estavam servindo. E a água do km 11? Precisava...
   Uma corredora me alcançou. Durante a ultrapassagem, olhou indiscretamente para o meu número de peito para dar um "confere" em minha categoria. Humilhantemente, seguiu a passos rápidos e seguros, enquanto aquele da frase que estava logo atrás dizia: “Vocês são da mesma categoria, vão lá!”... Não deu mesmo, fui atropelada. Aliás, ela atropelou todas as mulheres que estavam à frente também... Vamos arrumar uma frase: "Se você está lendo essa mensagem é porque foi atropelado!"
   Enquanto a água do Km 11 não aparecia, avistei uma camisa laranja. Fui chegando, chegando. Entrou numa trilha errada e voltou. Alcancei num falso plano. Mas, não tenho coragem de olhar pra o número de peito pra ver a categoria da pessoa, não. Sequer consigo ter ideia da minha posição dentro da prova, a não ser que alguém me conte. Parece que o desafio torna-se estritamente pessoal. Conversamos sobre o tempo, sobre nossos cansaços. Ela dizia que já não aguentava correr nem no plano. Praticamente um encontro de sequeladas, RS! Como ainda conseguia correr no plano, me despedi e continuei minha penitência. E que penitência!
   Administrava a corrida km a km, quando Show apareceu com água. Peguei uma garrafa de 1,5l, pedi perdão a Deus pela falta de água potável no mundo e joguei quase tudo pelo corpo. Refrescou, mas só percebi a merda que fiz quando meus tênis começaram a fazer aquele barulho de ensopados. Não poderia piorar! Como pude fazer aquilo?
   A menina ficou pra trás e os rapazes também. Cheguei a parar pra pegar água mais uma vez e segui.
   Teve um trecho de singletrack maravilhoso! Todo de descida, sombreado e fresco. Aproveitei para apertar o passo, enquanto as unhas davam sinais de morte. Com os tênis tão molhados não daria outra.
   Tem umas horas nessas provas que curto demais! É a boa e velha solidão aliviada. Aquele momento em que não aparece uma alma viva e você aproveita pra bater aquele papo cabeça com seus parafusos.
   Quando "acordei", lá pelo km 24, 25, encontrei Pedro, caminhando com dificuldade. Ele fazia 21 ao invés dos 32km. Sentia muita dor na articulação do fêmur, quase não conseguia caminhar. Trocamos umas palavras e nos separamos. Aproveitei pra dizer que ele conseguiria, eu tinha certeza! Show apareceu de novo com água. Dividi com Pedro e fui embora de vez.
   Que SO-FRI-MEN-TO! Parecia sem fim, mas a minha consciência insistia em dizer que sempre acaba. Acaba. Pode ser o que for, acaba!
   Avistei Denise faltando uns 2 km pra chegada. Nos encontramos, conversamos um pouco. Até tentei subir uma ladeira trotando, mas notei que só serviu de estímulo para que, dali em diante, ela corresse sem mais parar. Não posso negar que fiquei feliz. Será que estou errada? Fiquei pensando sobre isso. Esse momento esportivo é bem interessante, gera muitas reflexões. Ela é forte! Eu também acho que sou, mas era o momento dela. Estava administrando o prejuízo e fiquei muito feliz em concluir a prova. Doeu, mas foi massa! Nenhum peso na consciência. Sequer pensei que poderia ter feito melhor do que o que fiz.




   No fim das contas, o percurso foi reduzido em 2km, consegui fazer em menos de 4 horas, cheguei em quarto lugar e corri pra administrar outra história. O tempo.
   O tempo foi a conta certa de cumprimentar os amigos, tomar uma água de coco, chupar um geladinho, dirigir até Lauro de Freitas, arrumar a mochila (Putz! Não arrumei minha mochila com antecedência!), seguir pro aeroporto, comer alguma coisa e pegar o vôo. Ainda consegui dançar até de manhã numa boate no Rio de Janeiro. Ufa!
   Meus agradecimentos super especiais aos meus amigos: Andréa, Letícia, Katiola, Fernanda Piedade (também minha treinadora), Down, Pedro, Denise, Aventureiros do Agreste (meu povo)... Cada um por razões diferentes.
   Meu marido lindo, valeu pela festa no Rio!


#todomundopensouqueeuestavabebada

   Parabéns pra Show, pela prova, que está melhor a cada dia e a todos os atletas que fizeram essa grande festa!
   Cinquenta mil beijos e trezentos e quarenta mil abraços!
   Até muito breve!
   Lu    
 
PS: As foto lindas são de Tatiana Cabral e Kátia Souza.

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