A inscrição
aconteceu no impulso. Não queria perder uma corrida tão bacana em minha terra
natal. Mas surgiu uma viagem de última hora pra o Rio de Janeiro pra uma festa
de 40 anos. Eu teria que passar a manhã inteira correndo em Catu, voltar, pegar
minha mochila, pegar o vôo 17h, chegar na festa e dançar até de manhã. Seria uma odisseia!
Corrida em trilha é
bom porque não tem navegação. Tem gente que se perde, mas não é essa a pegada. Embora não seja o meu esporte favorito, tem outros desafios interessantes, que diferem da corrida de aventura... Tive tempo pra treinar, apesar de ter levado falta em
alguns dias. Estava meio que pronta pra enfrentar o desafio. Os dois.
Acordei às 4 da
matina sem fazer muito barulho, comi, peguei minha mochila e fui. Com aquela
velha sensação de ter esquecido alguma coisa, cheguei em Catu 6:40h. Não esqueci nada, rs! Depois de
pegar o kit atleta, fiz um social básico. Encontrei amigos queridos de
infância, amigos de Corrida de Aventura, da Escola de Aventura, gente como o
diacho. A comunidade de Sítio Novo é super receptiva, o lugar muito fofo! E
já era desde que trabalhei no postinho de saúde de lá em mil novecentos e
bolinha. Um jardim bem cuidado, as ruas limpas, sem contar que o evento deu um
brilho especial.
A largada aconteceu na pracinha da igreja com um atraso de 40 minutos. O suficiente para o sol cumprir seu papel: esquentar tudo. Catu fervia junto com os atletas,
que largavam no maior gás pra vencer seus desafios nas várias categorias oferecidas
na prova.
Meu objetivo era
correr o mais rápido que pudesse e pegar um pódio. E quem não quer?
Quando larguei,
procurei ficar entre os atletas que estavam na frente. Logo de cara apareceu
uma ladeira bem íngreme em direção ao cemitério. Subia no trote, mas
logo percebi que não sustentaria aquilo por muito tempo. A única “adversária” conhecida era
Denise, e ela estava bem pertinho de mim.
O singletrack
escroto que enfrentamos ao lado do cemitério, travou todo mundo numa
descida, que ainda tinha um tronco de árvore atrapalhando bastante.
O povo gritava, reclamava... Também dei uns gritos, mas aproveitei pra aliviar a respiração. Dava pra ver os outros atletas subindo na ladeira que ficava
adiante. Oh dó, a minha amiga Denise ia lá na frente, RS! E eu ali, parada,
impotente. Mas nossa prova só estava começando, não era momento para lamentos.
Nunca é!
Minhas pernocas
estavam muito doloridas! TPM é uma merda! Tenho um peso esquisito nas pernas. Ficar inventando desculpas também é uma merda! Lembrei que tinha feito um treino de 22km quinze dias
atrás, mesmo cansada de um dia inteiro na Escola de Aventura, bem melhor... O que estava rolando? Hum, aquele treino foi à
noite. A “lua” que estava ali era outra, o dia seco, empoeirado. Subimos até
uma torre e descemos novamente, passando pelo local da largada com uns 5km de prova. Dali,
seguimos por uma área conhecida, onde fiz um treino de bike com Show, organizador da
prova. Estradão com pouca sombra, um calor insuportável que me fazia refletir
se era mesmo possível pegar o vôo das 17h. Precisava terminar com menos de 4
horas de prova, mas naquela velocidade de tartaruga, seria muito difícil. Minha
água da mochila estava bem geladinha. Só que eu precisava de água na cabeça. O
calor comia no centro.
No km 7, pensei se
não seria melhor parar por causa da viagem. A Luciana que
mora dentro de mim, começou a questionar. Quase 1 hora de prova e
eu sequer passara dos 8km. Pelas minhas contas, não fechava. Talvez, se respirasse
fundo e apertasse o passo. Se desistisse daquela prova, jamais esqueceria. Precisava
parar de subir as ladeiras no trekking. Que sofrimento!
Lá pelo km 8 ou um
pouco mais, fui alcançada por um corredor. Trocamos algumas palavras e ele
passou à minha frente. Nas costas da sua camisa, uma frase longa instigou
minha curiosidade. Imaginei, antes de ler: “Deve ser uma frase
motivacional!”. Li.
- Se você está lendo
essa mensagem é porque é mais lento do que eu.
Pensei:
- Pôxa, que frase de
mau gosto! Kkkk! Deselegante.
Motivacional! Fui
remoendo aquele texto. Ora passava por ele com seus amigos, ora revisava o
texto. E acho que, se tivesse que colocar uma frase nas costas, seria: “Falta
só mais um pouco, você consegue.” “Sou lenta, mas não paro.” “Posso ajudar?”...
Fui tagarelando comigo mesma.
Aff! Nunca odiei
tanto eucaliptos! Como sabemos, uma plantação de eucaliptos desequilibra o
ambiente, seca tudo, não nasce nada em volta. Nenhum bicho quer viver lá. O
cheiro que antes curtia, nem conseguia sentir. Folhas secas no chão arenoso,
poeira, sol de 38°C e um calango ou outro fugindo dos passos rápidos dos
corredores. Nem pra fazer sombra estavam servindo. E a água do km 11?
Precisava...
Uma corredora me
alcançou. Durante a ultrapassagem, olhou indiscretamente para o meu número de
peito para dar um "confere" em minha categoria. Humilhantemente, seguiu a passos
rápidos e seguros, enquanto aquele da frase que estava logo atrás dizia: “Vocês
são da mesma categoria, vão lá!”... Não deu mesmo, fui atropelada. Aliás, ela atropelou todas as mulheres que estavam à frente também... Vamos arrumar uma frase: "Se você está lendo essa mensagem é porque foi atropelado!"
Enquanto a água do
Km 11 não aparecia, avistei uma camisa laranja. Fui chegando, chegando. Entrou numa trilha errada e voltou. Alcancei num falso plano. Mas, não tenho
coragem de olhar pra o número de peito pra ver a categoria da pessoa, não.
Sequer consigo ter ideia da minha posição dentro da prova, a não ser que alguém
me conte. Parece que o desafio torna-se estritamente pessoal. Conversamos sobre
o tempo, sobre nossos cansaços. Ela dizia que já não aguentava correr nem no
plano. Praticamente um encontro de sequeladas, RS! Como ainda conseguia correr
no plano, me despedi e continuei minha penitência. E que penitência!
Administrava a corrida km a km,
quando Show apareceu com água. Peguei uma garrafa de 1,5l, pedi perdão a Deus
pela falta de água potável no mundo e joguei quase tudo pelo corpo. Refrescou,
mas só percebi a merda que fiz quando meus tênis começaram a fazer aquele
barulho de ensopados. Não poderia piorar! Como pude fazer aquilo?
A menina ficou pra trás e os rapazes também. Cheguei a parar pra pegar água mais uma vez e
segui.
Teve um trecho de
singletrack maravilhoso! Todo de descida, sombreado e fresco. Aproveitei para
apertar o passo, enquanto as unhas davam sinais de morte. Com os tênis tão molhados não daria outra.
Tem umas horas
nessas provas que curto demais! É a boa e velha solidão aliviada. Aquele
momento em que não aparece uma alma viva e você aproveita pra bater aquele papo cabeça com seus parafusos.
Quando "acordei", lá
pelo km 24, 25, encontrei Pedro, caminhando com dificuldade. Ele fazia 21 ao invés
dos 32km. Sentia muita dor na articulação do fêmur, quase não conseguia caminhar.
Trocamos umas palavras e nos separamos. Aproveitei pra dizer que ele
conseguiria, eu tinha certeza! Show apareceu de novo com água. Dividi com Pedro
e fui embora de vez.
Que SO-FRI-MEN-TO! Parecia sem fim, mas
a minha consciência insistia em dizer que sempre acaba. Acaba. Pode ser o que for, acaba!
Avistei Denise
faltando uns 2 km pra chegada. Nos encontramos, conversamos um pouco. Até
tentei subir uma ladeira trotando, mas notei que só serviu de estímulo para que, dali em diante, ela corresse sem mais parar. Não posso negar que fiquei feliz. Será que estou errada? Fiquei pensando sobre isso. Esse momento esportivo é bem interessante, gera muitas reflexões.
Ela é forte! Eu também acho que sou, mas era o momento dela. Estava administrando o
prejuízo e fiquei muito feliz em concluir a prova. Doeu, mas foi massa! Nenhum peso na consciência. Sequer pensei que poderia ter feito melhor do que o que fiz.
No fim das contas, o
percurso foi reduzido em 2km, consegui fazer em menos de 4 horas, cheguei em
quarto lugar e corri pra administrar outra história. O tempo.
O tempo foi a conta
certa de cumprimentar os amigos, tomar uma água de coco, chupar um geladinho,
dirigir até Lauro de Freitas, arrumar a mochila (Putz! Não arrumei minha
mochila com antecedência!), seguir pro aeroporto, comer alguma coisa e pegar o vôo. Ainda
consegui dançar até de manhã numa boate no Rio de Janeiro. Ufa!
Meus agradecimentos
super especiais aos meus amigos: Andréa, Letícia, Katiola, Fernanda Piedade (também minha treinadora), Down, Pedro, Denise, Aventureiros do Agreste (meu povo)... Cada um por razões diferentes.
Parabéns pra Show,
pela prova, que está melhor a cada dia e a todos os atletas que fizeram essa
grande festa!
Cinquenta mil beijos
e trezentos e quarenta mil abraços!
Até muito breve!
Lu
PS: As foto lindas são de Tatiana Cabral e Kátia Souza.
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