Por Vitor Hugo Moreau
Meses de preparação; apreensão, medo, frustração. Todas as
marcas deixadas pelo Amargo Gosto da Desistência do Desafio dos Sertões de 2013
ainda vivas na memória. Além disso, outro preparativo se seguiu em conjunto: a
de um casamento; mas essa história vai ser contada em outro release.
Desde o ano passado que temos um pacto, eu, Lu, Mauroba e Gabi.
Só que as intercorrências da vida nos fizeram ir para outro caminho. Mauro e
Gabi decidiram não correr os 120 km em quarteto pois não estavam treinando.
Decidimos correr em dupla mas uma intervenção de Waltinho nos levou a formar um
quarteto inédito nos Aventureiros do Agreste: Eu, Lu, Cláudio Ribeiro e Gilson
Rosa. Muitas novidades nessa corrida; depois de muito tempo, Aventureiros do
Agreste com novo patrocínio, Targa Náutica, empresa dos amigos Maurício e
Ismar, de artigos náuticos que vem investindo no mercado de aventura. O Desafio
dos Sertões serviram como um piloto do patrocínio e um teste de exposição de marca,
formas de apoio etc. Além disso, o patrocínio nos deu motivação para treinar,
mesmo com diversos problemas pessoais que vínhamos enfrentando mas que não vêm
ao caso agora.
A comunicação foi fundamental na formação do quarteto, já
que só tivemos tempo para um treino com Cláudio e Gilson e toda as estratégias de
alimentação foram elaboradas separadamente. Aí, valeu a experiência dos amigos. Cláudio
e Gilson não conseguiram chegar para o brieffing – perderam o casamento – mas parece
que já tínhamos tudo acertado. A comida deles totalmente compatível com a nossa,
estratégias batendo, até a marcação do mapa, feitas separadamente por Lu e
Gilson batiam. Ótimo, começamos bem!
Pegar o mapa nos deu uma primeira impressão: fácil! Fácil?
Não, alguma coisa está errada. As poucas trilhas marcadas nos sugeriram que
Waltinho só marcou o caminho certo, deixando as erradas por nossa conta.
Hehehehe...
Casamos e fomos para o hotel, preparar a comida e tentar
dormir um pouco. Seis horas da manhã do dia seguinte, todos acordados. Café da
manhã reforçado e partimos para Pindobaçu para deixar as bikes. Um ônibus levou
a gente até Itapicuru, distrito próximo, de onde largamos. A mesma apreensão de
sempre. Largada a pé, correria, fotos e fomos! Como sempre, morri três vezes nos primeiros 30 minutos. Lu catou logo minha mochila e continuamos, numa corrida que se
estenderia por 6 quilômetros até a transição para o remo. Lá chegando,
recebemos a notícia de que somente dois corredores da equipe iriam remar.
Apesar de estar louco pra remar naquela linda represa, confesso que fiquei
aliviado. O vento tava muito forte e seriam duas horas de sofrimento. Cláudio e
Gilson foram. Pela primeira vez, tivemos duas horas livres no meio de uma
corrida. Cochilar, comer, beber água... Teve gente que até dominó jogou! Eu
tava muito tenso ainda pra isso, Hehehehe... Almoçamos – literalmente – e preparamos
um almoço para Cláudio e Gilson quando chegaram do remo. Foi um ótimo trabalho
em equipe; eles saíram do remo e foram direto comer, enquanto eu e Lu tirávamos
o barco da água e levávamos até o PC.
Revigorados pelo peixe frito com farofa, partimos pro
trekking de 12 km de volta a Pindobaçu, onde pegaríamos as bikes. Cada subida! Aí
foi minha vez de retribuir o favor carregando a mochila de Gilson e dando uma
força nas subidas. Lu, claro, sempre puxando o trekking, subindo como uma
miserável. Que esposa que eu arrumei! KKKKKK Seguindo a trilha, chegamos junto
com outras equipes nas duas casinhas marcadas no mapa. Batemos cabeça um pouco,
batemos o azimute e seguimos por uma trilha no fundo até perceber que não estava certa.
O azimute saía do lugar. Ôh azimute que teima em sair do lugar toda hora!!!!
Decidimos voltar até as casinha, última referência. Vai, volta, tira azimute.
Até Gilson voltar um pouco na trilha e perceber que a quebrada era alguns
metros antes das casas. Lá de cima. Ele gritou! É aqui! Fomos correndo e lá
estava a trilha com o azimute certinho.
Seguimos a trilha pela encosta do morro e, lá de cima, deu
pra ver as equipes perdidas na trilha que seguimos antes. Deu pena, só-que-não! Hehehe...
Muitas ladeiras intermináveis ainda viriam... e vieram. Em um momento, durante
uma ladeira, marquei a incrível velocidade de 2 km/h. Como diz nosso amigo
Azoubel, brocando em baixa! KKKKK. Chegamos finalmente a Pindobaçu. Um
lanchinho de pão com salame e partimos com as bikes. Nada melhor na corrida de
aventura do que mudar de modalidade. Achei ótimo nessa corrida haver muitas
transições. Pegamos as bikes e saímos. Trilha boa, fim de tarde chegando e só
pensávamos em não ser cortados para o rapel. Aceleramos! Chegamos no PC4 já com uma chuva fraca. Gilson vestiu seu anoraque junto com a bike. Optei por esperar um
pouco. Saímos pro trekking rumo ao pico da igrejinha. A dica era: “segue em
direção a luz da igrejinha”. Que luz? Chovia baldes e o frio começou a apertar.
Seguimos descendo a ladeira enlameada até o rio. Foi quando encontramos Maurão e
Lene, da R2 voltando de bike. Nos deram a notícia que o quarteto da R2 havia
desistido, o que nos deu um certo alento mesmo lamentando pelos amigos da equipe.
Atravessamos o rio para só depois percebermos que estávamos fora da trilha. O
azimute deveria mudar antes do rio e não depois. Volta... atravessa o rio de
novo para vermos que uma porteira marcava a mudança do azimute. A trilha seguia
do outro lado. Fomos. A essa altura, a chuva carregava! Uma delícia aquele
trekking! Tínhamos que andar rápido para o frio não pegar, o azimute estava
certinho. Lá estava a travessia correta do rio. Seguimos. Passamos pela Gantuá
já descendo, depois Terra Brazillis e Insanos. Quando a subida começou,
percebemos como seria difícil. Parecia um sabão. No meio da subida encontramos
Waltinho com a notícia: “O rapel foi cancelado!” Teríamos que voltar dali e o
tempo estimado para subir e descer nos seria descontado em relação à Insanos,
que estava em primeiro lugar. Paciência, melhor assim. Voltamos dali até o PC 6
e pegamos as bikes de novo.
A essa altura o frio castigou de-com-força! Decidi vestir o
anoraque mas, como estava completamente ensopado, tirei as duas camisas, torci e vesti de
novo... Naquele frio. Pula, pula, pula... nem vestir o anoraque curou de vez o
frio! Hehehe... Saímos com as bikes debaixo da chuva cada vez mais forte. Meu
farol apagou e fiquei somente com a luzinha de cabeça... minguada. Além disso,
de repente... Puf! O pneu da Lu furou! Putz! Vamos trocar. Encostamos embaixo
de um poste pra enxergar alguma coisa na chuva e vento que cortavam os ossos.
Não dava nem pra enxergar, nem para se mexer. Iríamos congelar ali se
continuássemos. Graças a Deus, uma carinha apareceu na janelinha da porta de
uma casa e Lu, em sua cara-de-pau gritou: “Moça! A gente pode ficar um pouquinho
na sua varanda pra se proteger da chuva?” Com a resposta positiva, entramos e –
coitada – enlameamos a varanda da moça toda! Enquanto trocava o pneu, D. Nega,
dona da casa, abriu a porta e, muito simpática, ofereceu café – passado na hora
especialmente pra gente - e biscoitinhos. Sensacional! Uma das coisas boas da
corrida é encontrar esse pessoal que abre as portas das suas casas tarde da
noite, durante suas novelas, pra servir café pra um bando de estranhos estropiados
e enlameados passando pela rua. Claudio e Gilson aproveitaram pra tirar uma soneca e foram acordados com uma caneca de café quente. Praticamente café na
cama, hehehe...
A chuva passou antes que saíssemos. Nos despedimos da D.
Nega e seguimos nossa viagem rumo ao PC7. No caminho, o farol de Lu apagou
também. Definitivamente, precisamos de baterias reservas para as lanternas
extra-forte que compramos. Dessa forma, nosso avanço até o PC7 foi muito lento,
compartilhando os faróis pra não emburacar nas valas do caminho.
O que parecia um alívio – o fim da chuva – se tornou um
suplício. Nossa demora pela troca de pneu e pela lentidão do escuro sem faróis nos
fez encarar um trecho de lama magnética entre o PC7 e o asfalto. Acho que foi o
maior perrengue que já passei em corrida de aventura. A lama começou a secar e
nos pegou bem naquele ponto meio-barro-meio-tijolo que gruda até em pensamento.
Se tivéssemos passado por ali uma hora antes, poderíamos ter seguido sem
problemas mas aquele foi o ponto crítico do magnetismo da lama – se é que isso
existe, hehehe. Sem exagero algum, a cada 50 metros de lama, tínhamos que parar
para limprar as rodas de lama que se formavam nos pneus das bikes. Virava roda de
trator! Era tanta lama que não dava nem pra empurrar. A lama travava as rodas
até empurrando. A cada riachinho que passávamos, tínhamos que parar para fazer
uma geral nas bikes. Acho que os sete km que se seguiam desde o PC7 até o
asfalto, levamos cerca de cinco horas. Suplício!
Pegamos a trilha mais curta – supostamente – pela esquerda,
passando pela linha do trem e atravessando o rio até o asfalto. Tivemos que
atravessar carregando as bikes na cabeça porque a água batia na cintura. Nada de
mais pro perrengue que já tínhamos passado. Minha bike já estava praticamente
sem freios e a lama corroía discos e catracas de um jeito que dava medo. Jilvan
vai ter muito trabalho na segunda-feira, hehehe...
Chegamos ao asfalto! Que alívio! Só cinco quilômetros pra
mudança de modalidade! Ufa! Pedalamos em linha pelo acostamento. O vento voltou a
dar o castigo do frio mas seguimos bem! Chegando à última descidinha na entrada
de Campo Formoso, vi que meus freios haviam ido de vez. Temi pelo resto da
prova pois ainda iríamos precisar das bikes.
Chegando ao PC8, comida de verdade: presunto cru (uau!),
sardinha em lata e água! Muita água! Waltinho veio com o veredito: “Vocês podem
pegar o PC9 e tomar o corte no PC10 ou podem ser cortados agora e nem pegar o
PC9”. Confesso que foi um alívio porque não precisaríamos fazer o último trecho
de bike. Não por mim, mas pela minha magrela, coitada. Tava tão estropiada que
achei que ia ser uma judiação com a bichinha voltar praquela lama.
Nem cogitamos em não pegar o PC9! Claro que vamos! Subindo o
morro, já não competíamos com ninguém. Fomos tranquilos mas sem demora. Todos
queriam findar logo aquele sofrimento. Subimos e ladeirão infinito até o
cruzeiro. Sentamos para beber um PowerAde aos pés do Cristo e descemos papeando
– como sempre, bons Aventureiros do Agreste. Chegamos de volta ao PC10 com a
felicidade do dever cumprido. Fomos informados do terceiro lugar. Um pódio,
além de tudo! Que notícia ótima. Daí foi só tomar um banho, tirar um cochilo de
duas horinhas, comer e voltar inteiros pra premiação.
Que prova! Como sempre, Desafio dos Sertões! Uma prova que
não decepciona. Resistência é sempre o mote. Mapa impecável! Waltinho e equipe,
novamente de parabéns! Fizemos uma ótima prova. Lu, Gilson e Cláudio foram
ótimos companheiros, adorei correr com eles, principalmente os que correram
comigo pela primeira vez, Gilson e Cláudio. Espero que seja a primeira de
outras muitas.
Lavei a alma do ano passado, fiz uma excelente corrida e,
melhor de tudo, casei! Casei em pleno Desafio dos Sertões. Realmente
inesquecível! Obrigado a Waltinho e Roberta pela força e por terem apoiado minha
ideia maluca desde o primeiro contato! Obrigado a Mauro e Gabi por despencarem
até Campo Formoso com as crianças só pra participar desse casamento maluco!
Obrigado a Gilson e Claudio pelo companheirismo e obrigado a todos os
corredores de aventura que correram no Desafio dos Sertões e em todas as provas que
nos ajudam a viver esse mundo doido das aventuras!
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