Zé.
Combinamos que ele seria o primeiro citado, com os merecidos agradecimentos.
Ele é o cara mais legal da galáxia, do sistema solar, da via láctea, do
universo e, porque não dizer, do multiverso. Zé está comigo na maior parte do
tempo, me dá umas ideias bacanas, me empurra quando estou devagar, me ajuda a
seguir na caminhada da vida, que algumas vezes não é tão animada quanto parece,
mas é a minha caminhada, a que preciso trilhar por merecimento e só eu posso
seguir. Pra quem não conhece, eis O CARA: Zé, meu anjo da guarda! Obrigada, Zé!
Uhuuu!
Agora
que já cumpri com o combinado, vamos à prova...
Logo
que a Ultra foi anunciada, decidi abrir mão da última etapa do Campeonato
Baiano de Corrida de Aventura pra fazer os 50km de corrida em trilha. Sim, teve
gente que fez as duas e fez muito bem e não vejo problema na decisão de cada
um. Ano passado fiz a corrida de aventura de 60km num dia, a corrida em trilha
de 21km no outro e ainda subi o cruzeirão em 13’18’’ no outro. Esse ano não. Como nunca tinha corrido 50km
em Trailrun, considerei que fazer o melhor não era fazer tudo.
Contei
meus planos pra tia Fê (Fernanda Piedade), minha Ultra-Mega-Power-Treinadora, e começamos os treinos com certa antecedência. No meio de tudo isso fizemos (eu e Vitor) uma trilha de 85km
em três dias na Cordilheira dos Andes, onde acredito que ganhei um arzinho a
mais nos pulmões. Entretanto, quando faltavam 2 meses pra prova, surgiu uma lesão no
tornozelo, provavelmente, num treino de areia fofa.
Daí
em diante, rolou uma deprê básica. Sem coragem de ir ao médico, pedia a
Deus pra me ajudar, fugia do grupo de Whatsapp “Treino Lu e Vitor”, não contava
a dor toda aos interessados, mancava até no trabalho, tomava Tandrilax
pra fazer os treinos longos e acabei fazendo o Desafio dos Sertões (uma Corrida
de Aventura de 130km) na base do medicamento. Fiz tudo errado!
Depois
do Desafio, cheguei a um ponto que não conseguia mais segurar. Terminei um treino de
16km mancando. Vitor fez “fuxico” pra tia Fê, que me chamou
pra uma conversa séria. O medo de não conseguir fazer a corrida era tanto que menti pra mim mesma. Já no meio de setembro, devendo estar no auge dos treinos, não conseguia mais correr, só pedalava. Então Fê deu
o ultimato: Não daria mais tempo de fazer o treino do jeito que ela queria, mas
eu teria que parar para ir ao médico e cuidar da lesão antes da prova. Tia Fê dá esporro, briga mesmo!
Voltei
pra casa com a promessa de me cuidar, mas viajei pra Santa Catarina à trabalho
na primeira semana de outubro, onde precisei tomar remédio todos os dias pra
conseguir atravessar a rua do hotel pra o trabalho. Com a correria, só consegui
marcar o médico pra 26 de outubro. Então fui a um fisioterapeuta tentar algum tipo de tratamento até que o dia da consulta chegasse porque, estava muito claro que, se esperasse até lá, não daria tempo de tratar a lesão
de 26 de outubro até 4 de novembro.
Àquela
altura, Fê já tinha mudado completamente meus treinos pra bike pra deixar
minhas pernas fortes e trabalhar o cardiovascular, deixando claro que não era a
mesma coisa que correr. Fazia Pilates com Marina, queridíssima que me indicou o
fisioterapeuta. Além disso, acupuntura com Vitor. Tudo pra não desistir, mas
tinha certeza absoluta de que não conseguiria correr 50km do jeito que estava.
No
dia 9 de outubro, entrei no consultório de Giulyano Lima pra minha primeira
sessão de fisioterapia. O cara avaliou minha postura, falou pelos cotovelos,
estalou todas as minhas articulações, colocou umas fitas azuis em volta do meu
tornozelo e disse que eu só precisava ir uma vez na semana. Saí preocupada, mas já senti diferença.
No
feriado de 12 de outubro, fiz a primeira corrida de meia hora, depois de um
longão de bike de 4 horas e meia, quando Fê começou a se sentir segura pra
passar treino de corrida. Mas, dali até a prova, não tinha tempo pra
nada muito elaborado.
Obedeci, segui tudo o que tinha que fazer, menos ir ao médico, porque já
estava me sentindo tão bem que não precisava. Sem o volume de treino, teria que
fazer os 50km na base da força mental, trabalhando o psicológico.
Enfim chegou o grande dia!
Enfim chegou o grande dia!
No
saco de mantimentos do km 36, deixei alguma comida. A
lanterna ficaria na minha mochila para o caso de eu decidir não parar.
Nas minhas reflexões, passei
um tempo fazendo os combinados com Zé. Precisava manter a calma, não pisar em falso, respirar bem, ter pensamentos
positivos, cuidar da alimentação...
Pontualmente
às 9h da manhã, com adrenalina em nível 10 das galáxias até o último fio de
cabelo, larguei no ritmo da galera dos percursos de 6, 11 e 21km. Trote básico
de 10km/h que, sinceramente, sabia que não conseguiria segurar até o fim, mas
aproveitei o plano pra dar um gás. Como o ponto de corte era em 6horas no km36, planejei chegar confortavelmente em pouco mais de 5horas com uma velocidade boa,
sem tanto desgaste.
O primeiro
trecho era plano, mas com bastante areia fofa e pedras. Lá pelos 5km de prova,
começamos a subir onde começava o percurso comum aos atletas que correriam 11 e
21km. Uma subida íngreme cheia de pedras, que eu andava a passos
rápidos, pedindo licença gentilmente aos mais lentos. Lá em cima, aquele
ventinho fresco de topo do mundo. A temperatura de Mucugê estava propícia a uma
corridinha pelos pampas, rs! Aquilo estava divertido demais! Nada em meu corpo
reclamava e agradecia ao universo por tudo o que estava acontecendo,
enquanto procurava meninas com pulseiras pretas, da minha categoria!
No
km 10, pensei muito alto:
-Agora
vou fazer uma parte da prova de 21km, um percurso lindo, que passa rapidinho!
Zé, a primeira coisa que vou fazer na minha resenha vai ser um agradecimento a
você. Tamo junto!!!
Encontrei
meu amigo Tadeu antes do portão que dividia a galera de 11 e de 21km. Subimos
aquela trilha que vai pra a cachoeira do Tiburtino no maior gás, ora correndo
ora a passos rápidos, conversando por um bom tempo. Um cara pediu pra passar em
nossa frente pra nos filmar. Achei ótimo, mas a minha vontade de fazer xixi foi
maior do que a vontade de aparecer na TV. Quando eu falei que ia fazer xixi o
cara falou: “Na Globo??”. Kkkkk! Eu
disse que sentia muito, mas precisava fazer xixi. É o preço que se paga pela espontaneidade
e por não assistir TV, logo, não reconhecer pessoas famosas. Fiz xixi
escondida, não se preocupem.
Até
o Tiburtino tem muita pedra e dois trechos que a gente tem que sentar na pedra
pra descer. Precisa ter muito cuidado pra não machucar. A cachoeira é linda
demais e tinha ido com as crianças um dia antes numa velocidade totalmente
diferente. Na verdade, fiz o percurso todo lembrando do grau de dificuldade que
vimos no dia anterior, lembrando das nossas crianças curtindo a natureza e
fazendo perguntas sobre meu desafio.
Depois
da cachoeira, Tadeu sumiu e encontrei um novo amigo. Ele disse que era a
primeira Ultra e, assim como eu, estava administrando o tempo pra não sofrer
muito. Aquele trecho de singletrack, com um pouco de sombra de árvores,
ajudava ainda mais a amenizar a temperatura.
Na mochila,
água, gel de carboidrato, chips de banana, pasta de amendoim, polenguinho,
maçã, tangerina e um pó de repositor eletrolítico para o momento certo. Tudo
planejado de maneira que não sentisse fome nem sede.
Entrei
no desvio que, no mapa, era uma alça que saia do percurso de 21 e voltava pra
ele outra vez. Muita, muita subida. Quando avistei uma menina numa subida sem
fim, longe de mim, tive um misto de alegria e preocupação. Lembrei do meu
volume de treino e que estávamos apenas no km 19. Percebi que ela subia devagar
e que me aproximava sem fazer tanto esforço. Alcancei a fofa!! Super gentil,
conversamos, trocamos amabilidades. Ela me deixou passar e me arrependi imediatamente. A
criatura começou a trotar quando chegou no plano, respirando bem no meu
cangote. Sem contar que descia muito melhor do que eu, fazendo aquele barulho
de cavalaria chegando. Nossa, se eu continuasse na frente, seria um sofrimento,
a não ser que... Resolvi fazer xixi e deixá-la passar para repensar meu
comportamento.
É
isso aí, nada como esvaziar a bexiga e reduzir o peso! Voltei num ritmo ótimo,
pensando que se encontrasse a menina poderia ir embora sem olhar pra trás. E
encontrei. Encontrei também um atleta de caganeira, dentro de uma moita bem
alta. Ele achou o melhor lugar. Tomara que tenha enterrado o “côquis”. Ia
soltar uma piadinha, mas preferi ser discreta.
Dessa
vez, fui embora sem olhar pra trás. Subi tão alto que sentia um vento
empurrando minhas costas naquele momento de solidão aliviada. Dava pra ter uma
visão da paisagem de 360 graus, com morros pra todos os lados, de todos os
formatos, tamanhos e verdes. Ali eu já fechava os 24km, falando:
- - Agora eu vou dividir o percurso em 3, vai ficar
fácil. Zé, tamo junto!! Isso aqui está bom demais!
Essa divisão de percurso é uma estratégia que minha amiga do coração, Thays Medrado, ensinou quando fizemos uma prova de Penélopes em Alagoas. Funciona mesmo!
Essa divisão de percurso é uma estratégia que minha amiga do coração, Thays Medrado, ensinou quando fizemos uma prova de Penélopes em Alagoas. Funciona mesmo!
Sobre a menina, só
tive coragem de olhar pra trás lá longe e nada de ninguém.
Depois
de muito correr, fechei 30km pelo projeto Sempre Viva. Naquele ponto de
hidratação foi o primeiro momento onde tive noção do que acontecia no mundo lá
fora. Enquanto abastecia meu camelback
com água, recebia as notícias. Estava em quarto lugar, com Carol Barcellos, a
repórter do Esporte Espetacular, em terceiro.
Então
tá, quem sabe não passo dela... Fui correndo pela estrada afora, num dos pouquíssimos trechos de asfalto da prova e, provavelmente, o mais
perigoso. Carro mata! Entrei pela trilha dos garimpeiros, pulando pedras a três por quatro
até sair lá perto da cidade, no asfalto de novo. Entrei pela cidade numa
vibração incrível! Cada pessoa por quem passava gritava uma palavra de ânimo, aplaudia,
dava um sorriso largo, um “Bora Lu!”. Entrei no corredor do km 36 com 5 horas e
meia de prova, parecendo que estava na chegada. Fui recebida calorosamente por
todos, principalmente Ygor Graça, ex-aluno da Escola de Aventura do Agreste e
grande atleta de corrida, com uma animação tão grande que levantava até
defunto. Ygor perguntou como eu estava, se precisava de spray para dores
musculares e apontou o meu lugar no pódio.
Foi
tudo muito rápido!! Minha lanterna já estava na mochila. Só peguei um Gatorade
e um gel, fui na mesa de frutas rapidinho, olhei pra o meu lugar no pódio e saí
correndo como se estivesse começando naquela hora.
Só
faltavam 14 km, dava pra dividir por 3 de novo. Dava sim! E estava mais fácil
ainda! Pra não falar que não doeu nada, estava certa de que a unha do pé cairia. Dor conhecida, ignorada solenemente!
Arrumei
outro amigo, para quem ofereci Gatorade, alegando que não conseguiria dar conta
de tudo. Precisava de ajuda porque era um sacrilégio jogar fora. Ele aceitou um
pouco e devolveu dizendo que precisava parar pra esperar alguém. Amizade
fulgaz. Snif!
Continuando
minha odisseia... Aquele trecho plano da corrida foi um descanso e tanto para o
que viria adiante! Ventinho no rosto, corrida tranquila... No km 41, mais ou
menos, arrumei mais um amigo. Coincidentemente, Bruninho é atleta da Carcará.
Se é Carcará é meu amigo, com certeza!! Para sempre! Corremos juntos por uns 8km na maior
animação, conversando horrores! Quer dizer... rs!
Faltando
5km pra terminar a prova começamos a subir uma ladeira extremamente cruel que
levava a um dos cruzeiros de Mucugê. Coisa de maluco você acabar uma prova
dessa, lagartixando em pedras. Era uma escalaminhada capaz de fazer o caboclo
desistir e, literalmente, morrer na praia. Um atleta subia mais à frente,
enquanto as pedras rolavam pra cima de nós. Bruninho preferiu até esperar que
eu fosse primeiro pra gente não se acidentar. Fui de joelhos, segurando nas
pedras laterais. Uma experiência muito louca!
Lá
em cima, mais pedras pra pular. Lugares onde precisava mirar bem do outro lado
e abrir as pernas pra não cair no buraco. O pessoal da organização, sabiamente,
sinalizava o que poderia se chamar de trilha para os que passariam pela noite.
Quando
chegamos na “boca” da descida do cruzeirão, ouvi o locutor anunciar a chegada de
Carol Barcellos. Todo mundo dizia que eu alcançaria a menina, mas não rolou nem
um contato visual, imagine ultrapassagem. A criatura correu muito!
Eu e
Bruninho descemos o cruzeirão na melhor performance possível e quando chegou lá
embaixo a nossa amizade acabou. Bruninho queria alcançar dois atletas que
estavam logo à frente e, claro, incentivei o abandono à minha pessoa! Snif!
- Vá, Bruninho, jogue duro que vou seguir no meu
ritmo!
E lá
se foi ele, correndo loucamente!
Massa!
Entrei na cidade muito animada. As pessoas começaram a gritar de novo. Na rua
principal que levava ao pórtico, os amigos começaram a sair dos bares, dos
restaurantes, a descer dos passeios. Gritavam meu nome. Pedro, Ygor, e Plínio,
vieram correndo junto comigo até a linha de chegada num final que todas as
vezes que assisto às filmagens me emociono. E me emocionei outra vez ao escrever. Meus filhos estavam me esperando,
junto com Vitor, Marina, Ana Paula, Ricardo e muitas outras pessoas
queridíssimas que vibravam com essa conquista.
Sou
muito agradecida por tudo e por todos! Foi uma prova incrível, movida pela
natureza, pelo amor, pela coragem e, sobretudo, pela fé. Curti cada segundo,
cada momento, cada encontro, cada passo.
Carinhosamente,
agradeço aos queridos amigos, à minha família maravilhosa, especialmente minha
Tiloca e meu Tiago, Marina linda, aos meus Aventureiros do Agreste. Agradeço ao
meu marido lindo que sempre me olha com cara de admiração e orgulho quando faço
essas maluquices.
E
aos profissionais que foram fundamentais para que esse projeto se realizasse:
Marina Peixoto, minha professora maravilhosa de Pilates, Giulyano Lima, o cara
da fisioterapia osteopática (nome super estiloso!), meu terapeuta Lafaiete
Freitas e à minha treinadora toda trabalhada no poder, Fernanda Piedade. Ainda teve meu marido na acupuntura...
Parabéns
à equipe Gantuá pela prova espetacular!
Valeu
demais!
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