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Ano Novo no Vale do Pati

Demorei de escrever sobre essa viagem por falta de tempo, mas precisava...


   Planejamento para 2018: Vale do Pati pra fazer planos.
   Toda trabalhada no desapego, na mochila: lanterna de cabeça, mapa, bússola, saco de dormir, barraca, 3 camisas de trilha, 1 bermuda, 1 calça, calçolas, 3 tops, kit de primeiros socorros e lanche de trilha. Ah! O vinho do jantar do Ano Novo com uns queijinhos e salames.
   Saímos de Salvador às 4h, chegamos no Capão por volta de meio dia e entramos no Vale do Pati pelo Bomba às 13h, depois de comer pastel com caldo de cana e de ouvir várias frases do tipo “Vocês não chegam hoje!”, “É muito longe!”, “Vão dormir no caminho?” ou “Sem guia!?”. Esse pessoal pega pesado! Mas a gente não acredita nessa negatividade, não.
   Aquela subidinha do Bomba que passa perto da Cachoeira da Purificação é bem cruelzinha. E linda! Uma trilha toda de subida, sombreada de árvores que só vai abrir lá na frente, perto de um riacho onde paramos rapidinho pra jogar água na cabeça.
   Uns turistas desciam perguntando se estava perto do Bomba... O que pra nós era só o começo, pra eles era quase o fim. Seriam 20km de caminhada até a Prefeitura ou Casa de Sr. Jailson, planejando 2018 e refletindo 2017.


   A higiene mental começava. A civilização deixava uma vista linda lá atrás, mas outra mais linda ainda se descortinava à nossa frente nos Gerais do Vieira. Seguimos pelo Catixto, no sentido do Morro do Castelo, passando por uma toca meio esquisitona. Uma caminhada leve, com poucas intercorrências, trilha bem marcada de vegetação baixa, que alternava descidas e subidas. A cada descida, um riachinho com uma matinha mais fechada. E nas subidas, o bálsamo de visualizar a paisagem cada vez mais incrível.
   Quando o barulho de água ficava forte as cachoeiras começavam a aparecer.  Sempre encontrando com pequenos grupos, chegamos à Cachoeira do Sebo, onde confirmamos o caminho com um pessoal que se banhava. Dali em diante, a vegetação começou a fechar de um jeito que parecia até que o caminho estava errado. Ainda bem que confirmamos! Muita pedra, subida, descida, degraus, raízes de árvores no chão, barrancos. Vitor toda hora enganchava a barraca nos galhos. Os passarinhos começavam a se recolher, as cigarras cantavam às alturas e nós apressávamos o passo pra não chegar muito tarde.
   Perto do Calixto, as lanternas já estavam prontas. Atravessamos a cachoeira, passamos por um casal de tocadores que praticavam sua arte na beira do rio e, de repente, fomos abordados por um grupo de quatro meninas que montava barraca. Uma delas começou a falar sem parar depois de perguntar para onde estávamos indo. Foi tudo tão rápido que só lembro de parte da conversa, que em resumo ficou assim:
   -Saímos 6 da manhã, pegamos o caminho errado, nossa amiga vomitou muitas vezes e não aguenta carregar a mochila.
   Como não atender aquele pedido de ajuda? Nossa cara!
   Foi só o tempo de guardar a barraca... Seguimos conversando muito. Contei a minha vida desde o nascimento e elas tiveram a oportunidade de falar quando eu parava pra respirar. KKK! Brincadeira! As meninas carregavam muito peso. Peguei uma das mochilas pesadas e dei a minha mais leve pra uma delas. Aliás, as duas guerreiras, Camila e Laila, revezaram a mochila de Mayara até o fim. Enquanto nossas mochilas eram minimalistas, as delas levavam tralhas para uns 30 dias de viagem, incluindo 8 garrafas de vinho e 1 de champanhe.
   Umas figuras!! Lanterna com bateria fraca e dois celulares iluminando o caminho tortuoso, talvez até pior do que o que acabávamos de passar. Vinham de Vitória de carro em viagem de 18 dias pela Chapada. Para o Vale do Pati, reservaram 5 dias. Esqueceram o mapa no meio de tantas coisas pra lembrar. E uma delas optou por levar o peso do vinho a levar calçolas. Afinal, bastava revezar com o biquíni. Fácil de resolver esse impasse. Meninotas doidas!
   O caminho foi tortuoso. Muita subida com degraus e pedras, trilhas estreitas, galhos e raízes, ratos e outros bichos. Em meio a tantos altos e baixos, até eu e Vitor tivemos nosso momento de baixa. Precisamos nos alimentar pra melhorar a sensação de cansaço. Aquele trecho, que duraria pouco mais de uma hora, passou de duas. As meninas, que planejavam ir pra igrejinha, acabaram na prefeitura mesmo. E já passava das 20h quando adentramos a casa de Sr. Jailso. Laila sentou numa pedra e caiu no choro. E as outras chegaram contando tudo o que aconteceu para uma plateia que se formou ao chegarmos. O acolhimento foi tão grande que um hóspede fez o jantar pra nós.
   Para nossa sorte, a casa tinha acomodações para dormirmos em colchões nesse primeiro dia de viagem. Sim, preferimos pagar um pouco mais para descansar melhor sem ter que montar barraca àquela hora.
   O banho, o macarrão e o vinho foram perfeitos pra finalizar aquele dia de aventura. E foi uma noite muito tranquila, exceto pelos peidos que as pessoas começaram a soltar a partir das 4 da manhã. Rs! Depois falam mal de mim.
   Acordar no Vale do Pati é extrema contradição com a realidade. A começar pela paisagem incrível, indescritível e o fogão à lenha pronto para uso bem na varanda da casa. A cozinha modesta tinha todos os utensílios necessários pra os trilheiros se virarem. Sr. Jailso, sempre solícito, tem uma vendinha com tudo que é preciso para um bom café da manhã. Fizemos cuscuz com ovos e comemos um abacaxi delicioso que saiu direto do pomar local. 
   As meninas ficaram dormindo quando saímos. Deixei um mapinha na porta do quarto e fui pra trilha do cachoeirão por baixo com o coração apertado.
   No caminho, o poço da árvore, a casa de Sr. Eduardo. E tinha até uma casa vendendo caldo de cana. Maravilha! Decidimos parar. Mas, quando a produção do caldo começou, tivemos dúvida se queríamos mesmo. Depois que um dos ajudantes colocou a cana no sovaco, decidimos levar pra viagem e jogar fora na primeira esquina. Foi horrível! Lembrando que lá não tinha banco 24 horas, jogar comida fora era até pecado.
   Voltando à trilha do cachoeirão... Muito linda, muita pedra, muito galho, um sobe e desce sem fim. Muitas vezes, tínhamos a sensação de que não era por ali, mas não tinha como não ser porque o caminho era por dentro do vale, entre dois morros até o poço. Tanta pedra que começou a ficar chato, mas a certeza da paisagem maravilhosa que encontraríamos, dava aquela vontade de continuar.
   De vez em quando a gente lembrava das meninas. O que estariam fazendo? Será que Mayara tinha melhorado? Para onde iriam naquele dia? Poço da árvore? Nunca mais a veríamos?
   Depois de muitas conjecturas e muitas pedras no caminho, chegamos ao poço do cachoeirão. Dentro do paredão imenso, um fio de água descia sem alcançar o chão. Com poço bem vazio, a água estava parada e escura. Mesmo com calor, não ficamos animados para banho. Então o jeito foi contemplar, lanchar e voltar.
   Depois de tanta pedra no caminho, passamos pela casa do Sr. Eduardo, onde vende a velha e boa coca-cola que todo aventureiro ama quando está sob sol escaldante. Encontramos alguns conhecidos e, enquanto sentamos pra tomar a coca, o movimento da cozinha fervilhava. No fogão à lenha, uma travessa cheia de torresmo e uma panela de sarapetel. E isso me levou a perguntar se servia almoço. Quase fomos ao delírio com aquela comida deliciosa e barata.
   Paramos no poço da árvore para tomar o sonhado banho, que fica quase no quintal da casa de Sr. Jailso. Na verdade são vários poços com muitas pequenas quedas d’água. Bem movimentado, até gente de topless andou passando por lá.
   Finalzinho da tarde, chegando na casa de Sr. Jailso tivemos a grata surpresa de encontrar com as meninas novamente. Elas decidiram dormir mais uma noite na casa e passariam o Ano Novo conosco.


   Começamos a noite com os vinhos, os queijos, os salaminhos... E as meninas fizeram um macarrão com atum maravilhoso. Comemos bastante, conversamos horrores e nos juntamos aos outros hóspedes na fogueira. Naquela noite incrível de lua cheia, o músicos violeiros se revezavam, enquanto a turma toda acompanhava as melodias em coro. Vitor aproveitou para exibir seus dons musicais, tocando e cantando como se estivesse num show. Adora se exibir, meu marido... rs!
   Antes da meia-noite, o grupo fez dinâmicas e terapias do amor e do abraço. Eu acho isso muito piegas e morro de vergonha de me pronunciar, mas fui obrigada. Ainda assim, foi engraçado, várias surpresas rolaram e me diverti bastante. Foi uma festa super diferente, incomparável.
   De manhã cedinho já estávamos prontos ao pé do fogão à lenha, preparando nosso café da manhã e planejando a trilha do dia. Decidimos ir pra casa de Dona Raquel/ João porque ficaria mais perto da saída do Vale pela Rampa, aquela que a gente vê o vale lá de cima.
   As meninas resolveram fazer o mesmo e decidimos fazer a trilha do Castelo juntos. Uma excelente escolha para o primeiro dia do ano com as melhores companhias que poderíamos arrumar.




   No começo era até planinho, mas só no começo. A trilha tem subida pra não acabar mais nunca. Muita pedra, barranco e raiz. E lá em cima, a cratera enorme da entrada. Alguns rapazes que subiam perguntaram se queríamos ir por um lado diferente do Castelo. Fomos e tivemos a grata surpresa de dar uma volta quase completa pelo morro e ainda entrar num salão bem maior e mais escuro da gruta. Antes de entrar, claro, fizemos aquela foto da entrada da gruta que todo mundo tem. Lá em cima a gente fez o lanche, passou um bom tempo olhando o mundo, batendo papo e desceu.
   Embaixo, o bom e velho banho de rio e passamos mais uma noite regada a vinho. Foi muito vinho! E dessa vez, nos deliciamos com um jantar feito por Vitor e brigadeiro das meninas. Que delícia! Uma pena que teríamos que partir no dia seguinte.
   Acordamos pensativos. Tomamos café juntos. As meninas subiram o morro onde estávamos acampados para a despedida. Com olhos marejados, fizemos nossas declarações de afeto. Foi emocionante! Aquela despedida parecia familiar. 
   Terminamos de arrumar nossas coisas e seguimos viagem olhando o horizonte pra ver se avistávamos nossas novas filhas. E olhe que já temos 5 nossos, mais alguns de criação.
   O resto da viagem foi igualmente massa! Chegamos no Capão de tarde, ficamos na pousadinha que a gente gosta e comemos aquela pizza deliciosa.
   Depois, com nossas meninas? Camila, Mayara e Laila formaram em Direito, umas duas semanas depois e mandaram fotos. Uma das três estava com uma disciplina atrasada e parece que ficou para o semestre seguinte. Gabi faz medicina e continua em São Paulo estudando. Pelo grupo de Whatsapp, recebemos notícias e esperamos encontrá-las outras vezes, porque foi muito afeto envolvido.
   Foi isso!



   Meninas, escrevi essa resenha pra gente nunca esquecer desse encontro. Amamos vocês e desejamos que sejam muito felizes! Mesma felicidade que desejamos aos nossos filhos.

Comentários

marina disse…
Como não amar quem ama nossas filhas e como não agradecer quem as ajuda? Muito obrigada pelo cuidado e carinho. Fiquei muito emocionada ao ler um texto cheio de amor. Muita luz nos caminhos de vcs! Beijo de Vera, mãe da Laila
Unknown disse…
Meu nome é Valmique e sou o pai da Laila, essa figura aí mesmo - personagem da sua história.
Que bom ler o seu relato e de observar o carinho envolvido.
A Laila contou, mas não tão rica de detalhes.
Eu não poderia deixar de agradecer por vocês terem sido os "Anjos da Guarda" de Laila e suas amigas nesta aventura.
Ficamos sem notícias dela e de suas amigas durante quase todo o período dessa aventura na Chapada e a nossa preocupação aumentou muito por isso.
Já vi muitos pais ficarem com ciúmes, mas com a gente isso não ocorre - tomara Deus que a Laila e a Marina (a outra nossa filha) sempre tenham outras pessoas que as ajudem e que as considerem como filhas- vamos amar que isso ocorra. Parabéns pelo Blog.
Um beijo pra vocês e novamente obrigado.
Luciana disse…
Oi Vera!! Beijos pra vocês também! Uma filha maravilhosa que você tem! Amamos esses poucos dias de convívio!
Luciana disse…
Essas meninas foram muito guerreiras e corajosas! Foram dias especiais! Beijos pra vocês! E muito obrigada também!!
Tassiana Lima disse…
Que resenha emocionante!

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