Toda viagem tem uma breve preparação pra deixar as pessoas,
contas e cachorro organizados. Entre Natal e Reveillon, partimos pra nossa
jornada de auto, e porque não dizer, (re)conhecimento. O Pati lhe deixa
incomunicável pra você se conectar com o que realmente interessa. Você!
Na mochila, eu levava comida, vinho, iluminação e o básico
necessário pra vestir. Saímos de casa de madrugada pra chegar nos Aleixos numa hora boa pra entrar no Pati. Umas 11:45 seguimos pra nossa caminhada de mais de 17km até a
prefeitura/casa de Jailso.
Mas não dá pra falar do ponto de partida até o de chegada,
sem contar a caminhada...
A subida dos Aleixos com mochila pesada não deve ser fácil pra ninguém, exceto pros guias, que sobem conversando. Foram 45 minutos arfando até lá em cima, parando algumas vezes, à pretexto de contemplar o visual.
Nosso destino: casa de Jailso pela Fenda, depois de contemplar o Cachoeirão.
Por conta das fortes chuvas que caiam na Chapada, cachoeiras
estavam em volume máximo, rios transbordavam, as trilhas escorregavam feito
quiabo, a lama cobria o pé. Caminhando, refletia sobre os filhos, o cachorro, a
casa, o marido, o sentido da vida, sobre estar incomunicável. E ali era só o
começo da caminhada.
Fazendo uma pausa aos meus devaneios, a bermuda de Vitor
rasgou na frente. Com a cueca aparecendo, ele seguiu lembrando que só levou
duas. Achou que 3 bermudas (completamente surradas) era muita coisa pra passar
5 dias viajando. Raiai, viu!
A respiração ofegante da subida dos Aleixos foi só um
aperitivo, diante do volume de água do Rio Preto, que teríamos que atravessar
ou fazer uma volta pra atravessar em outro trecho mudando totalmente a rota e
arriscando não conseguir ou até mesmo abortar a viagem. Por alguns minutos,
procuramos outro acesso, um lugar mais raso, com menos correnteza. Enfim,
decidimos nos apoiar nos galhos, segurar as mãos, passar nas pedras com a água
na cintura. Aqueles minutos pareceram longos. Vitor foi na frente, conseguiu se
agarrar nos galhos do outro lado, achou uma pedra pra firmar o pé. De mãos
dadas, consegui me ajeitar nos galhos de cá até ser impulsionada por ele pros
galhos do outro lado. Adrenalina da zorra! Sobrou apenas uma perna da bermuda
de Vitor. Minha mochila molhou bastante, cheguei do outro lado com as pernas bambas.
Lembrei que os sobrinhos de Vitor quase vieram com a gente. Talvez tenha sido
providencial eles terem desistido.
Olha! Eu tô escrevendo pra não esquecer que minhas costas doeram
muito, que senti fome, que tive pressa pra chegar na fenda antes de anoitecer,
que até esqueci que já vivi coisa pior no esporte que faço.
Chegamos ao Cachoeirão 15:38, porque marcamos no relógio pra
não perder a hora de sair, contemplando a paisagem de tirar o fôlego. O
Cachoeirão transbordava água e energia! Mas não pudemos demorar!
O começo da caminhada pra fenda já denunciava o nível de
dificuldade. Em alguns lugares, havia escadas de madeira, só pra se ter uma
noção da altura. Escalaminhadas, trilhas indistintas, lajedos, pedras altas.
Entre umas pedras e outras, virava e mexia, via-se um buraco sem fundo.
Eu morro de medo de pular pedra muito alta! Numa delas, me
senti num “beco sem saída”. Achei que fosse desistir, que não conseguiria. Só
de olhar pro buraco, ficava tonta. Tive que respirar fundo, passar minha
mochila. Me vi com as mãos no rosto, concentrando, pensando como faria pra
vencer o medo. Foram mais alguns minutos que pareceram longos pra mim. E quando
o medo aparece, me vejo no fundo do buraco. Mas, no fim das contas, nem foi tão
difícil assim! Vitor segurou minha mão, não olhei pra baixo na hora de pular,
as pernas chegaram do outro lado, meu tênis não escorregou e não cai de volta.
Dali em diante, tive mais uns dois buracos nesse nível, que
já sabia o que fazer. Tive umas paredes de pedras, umas ladeiras pra descer de
bunda, uns perdidinhos, até que chegou o que realmente era a fenda. As unhas
dos pés gritavam, fazendo coro com os quadríceps e as costas.
A vontade de chegar logo, nos fez negligenciar na comida.
Acordados desde às 3h da manhã, tínhamos pulado a almoço, com apenas uma
sardinha no Cachoeirão. O corpo gritava de dor e de fome! O equilíbrio nos
abandonou por completo! Descemos entre os paredões, cambaleando pelas árvores,
escorregando por lama e pedra.
Mil reflexões! Uma delas é que a fenda é desnecessária! Que
me perdoem os amantes da fenda. Eu só faria aquilo se tivesse numa Corrida de
Aventura, porque realmente não teria ideia da dificuldade. Que invenção de
Vitor! Não chegava nunca! O barulho de água dava a impressão de que o rio
passava logo ali embaixo mas anoiteceu e ainda estávamos lá. Pra completar, a
chuva começou e foi ficando cada vez mais forte, logo que chegamos na trilha
principal. Ou seja, nada pode ser tão ruim que não possa piorar.
Minha calça também rasgou. A água da chuva escorria em meu
corpo inteiro, até o pé. Até a minha alma doía! A caminhada até a casa de
Jailso foi difícil até o fim, até o limite do meu cansaço, das minhas dores, da
minha paciência. Pensei que ia chorar quando chegasse!
Enfim, completamente encharcada, a chuva lavou o meu suor e
a minha alma! Lavou também os meus pensamentos e a vontade de chorar. Escrevi
pra não esquecer do quão intensa foi essa caminhada. Porque eu sou cara de pau,
descarada, e ainda tenho coragem de contar que é tranquilo, caso alguém pergunte.
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