Sofrimento garantido ou o seu dinheiro de volta! E, dessa vez, estava do outro lado da força da Expedição Mandacaru, como atleta. Sempre gostei demais dessa prova e estar envolvida na organização por 5 edições não me permitia desfrutar da Corrida como eu gostaria. Dessa vez, sim!
A Corrida de Aventura é um laboratório de vida! É sobre como você se comporta
diante das adversidades, sobre equilibrar o feminino e o masculino em você, não querer resolver tudo, assumir responsabilidades, riscos e
compartilhar alegrias e frustrações em equipe. Pra mim, também é muito sobre o
verdadeiro sentido da amizade e da parceria.
Eu joguei essa de feminino e masculino aí em cima
porque tô numa vibe de pessoa terapeutizada, fazendo várias mudanças e conexões
importantes, trabalhando outras faces do que tem dentro de mim. E isso não
poderia deixar de refletir no esporte. Nesses 20 anos de
Corrida de Aventura, o esporte que me proporcionou o suporte que precisava para
o enfrentamento das adversidades da vida. Parece que isso é o que qualquer
esporte faz na vida de muita gente, mas eu nem sabia que estava sendo preparada e nem que iria tão longe quando comecei.
Em quarteto, junto com Lucas,
Arnaldinho e Vítor, decidi que seria conduzida pelos rapazes, abrindo mão da navegação. É Atleta de Percurso que chama?
Pronto! Então fui pra ser atleta de percurso. Organizei minha vida, comprei
comida, arrumei minha bicicleta e fui, sem me preocupar com mais nada.
Por lá, aquela festa, aquela receptividade, os amigos, a adrenalina a correr pelas veias. A prefeitura de Itaetê ofereceu um belo café da manhã, com tudo que a gente tem direito, inclusive ovo cozido, pra garantir que todo mundo corresse fortinho.
Largamos de bicicleta, seguindo pelas margens do
rio Paraguassu. Sem navegar, tive tempo de dar uma “bizoiada”
pro lado e apreciar a paisagem, e até me concentrar no desempenho.
Encontramos todos os PCs desse trecho sem problemas e lembro de uma subida bem íngreme e técnica, onde eu subia empurrando, calçando minhas sandálias da humildade. Muita gente descia em alta velocidade. Numa curva, logo à minha frente, um atleta "avionado" saiu pela tangente e voou se batendo pelos galhos por uma altura de pouco mais de 3 metros, até o chão, num buraco enorme. Foi um grande susto! E para a nossa alegria, ele levantou e continuou a prova.
Depois descobri que, por uma questão de estratégia, os meninos escolheram atacar o PC por baixo. Eu chamo isso de livramento, porque conheço bem Vitor e Lucas e sei que eles não desceriam devagar. E, depois dali foi só alegria até a transição. Tirei de letra aqueles singles, curtindo cada momento. No total, foram 4 PCs, quase sempre pertinho do rio.
Tipo “não tenha pressa mas não perca tempo”, a proposta era curtir a prova mesmo, mas adiantar o que pudéssemos. Na AT, numa casinha bem singela, mudamos de modalidade, deixando as bicicletas num cantinho pra iniciar o trekking. Tendo em vista que o primeiro corte estava marcado para 18h, o tempo permitia zero margem de erro em navegação.
Começamos o trekking bem direitinho, marcando
tempo, contando passos... Sob protestos, Arnaldinho precisou voltar pra pegar
sua lanterna, a poucos metros da nossa saída, mas a demora foi pouca.
Encontramos os PCs A e B sem problemas. Teve uma hora em que passamos por um
paredão lindo, no meio do trekking, que parecia que estávamos numa cena de
filme. Quando a gente tá sem navegar, pode andar com a cara pra cima, como diz
a minha mãe. Na verdade, eu estava tão distraída, que não conseguia terminar
uma contagem de passos. Muito porra louca mesmo!😁
O PC C foi um desastre! Pegamos uma trilha
completamente equivocada, que parecia uma avenida, mas, segundo os navegadores, não estava mapeada. Até ali eu tava
cantarolando, dando risada, fazendo palhaçada. No entanto, aquele perdido não
teve graça nenhuma. Ficamos mais de duas horas procurando o PC no lugar errado,
tentando coincidir azimute, até que decidimos voltar tudo, chegar ao PC B e
começar do zero, criteriosamente, no azimute e nos passos.
Pois então! Encontramos o famigerado, e os demais
PCs do trekking, até chegarmos no rio, local da travessia para a casa onde
estavam os barcos. Travessia bem descarada, com a água no quadril, que motivou
a organização a nos forçar a carregar o colete desde a largada. Vai que o rio
estivesse cheio nessa época, né? Ano passado teve gente reclamando que a
organização deveria ter mandado carregar o colete num trekking onde precisava
nadar 2 metros. Enfim, gato escaldado... Down, certamente, teve seus motivos!
Na AT, a ilustre presença de Lene, animou horrores.
Reabastecemos água, oferecida gentilmente pelo dono da casa, pegamos nossas coisas,
carregamos os barcos e partimos!
Com o volume de água baixo do Rio Una, tivemos que descer no barco
várias vezes, mas isso, em nenhum momento, tirou o brilho da modalidade. Foi
divertido, o dia estava lindo, aqueles paredões do rio me encantaram demais, conversamos
horrores e num instante a canoagem acabou.
Já era noite quando chegamos ao local da portagem, onde precisamos esvaziar os packrafts e levar todos os equipamentos por 800 metros até a AT. Àquela altura, eu era catadora de trilha, achadora de PC e atrapalhava nas horas vagas, reclamando da navegação. Quem não navega acha que bota pra lenhar e que poderia fazer melhor. #SQN 😂
Na AT, Keu tinha um cafezinho quente, que animou a minha alma. E, mais uma vez, mudamos rapidinho de modalidade e seguimos. Quando começamos a pedalar, o tempo do corte 1 pra chegar na AT seguinte estava extrapolado. O outro era no mesmo lugar, à meia noite, o que parecia totalmente factível!
Os meninos são ótimos de correr! A gente se entende bem e eles sabiam que a minha decisão de não navegar, essa história de trabalhar o feminino, poderia nos causar um estresse a mais, mas foram muito fofos comigo.
Só fazendo um adendo para contextualizar, trabalhar
o feminino em qualquer ambiente não significa falar apenas de mulheres, mas de
uma energia, uma forma de estar no mundo que todos nós, homens e mulheres,
temos dentro de nós. De maneira geral, o feminino está ligado a qualidades
como: acolhimento e cuidado – olhar para o outro e para o coletivo, não só para
o individual; escuta e intuição – perceber o que está acontecendo além do que é
racional e imediato; cooperação e parceria – caminhar junto, em vez de competir
sempre; sensibilidade – se conectar com o ambiente, com as emoções, com o
corpo; entrega e confiança – deixar o controle o tempo todo de lado e permitir
que o fluxo aconteça. Enquanto o masculino (também presente em todos nós) é
associado a foco, ação, direção, conquista, o feminino equilibra com
receptividade, flexibilidade e conexão. Trabalhar o feminino em qualquer
ambiente (seja no trabalho, na família, nos esportes, nas aventuras) é trazer
esse olhar mais humano, mais relacional, menos rígido, que valoriza tanto o
processo quanto o resultado. No caso da Corrida de Aventura, por exemplo, pode
significar: confiar no colega que está navegando, em vez de querer controlar o
mapa; olhar para o bem-estar do grupo, não apenas para a performance; valorizar
a beleza da experiência, além da meta de chegada.
Por aí já dá pra ver que é muita coisa de
pensamento profundo! Eu ainda tenho muito dessas coisas menos legais e não sei se vou conseguir melhorar muito, mas tô na luta. De uma intensidade absurda, com toda
bagagem que a vida me trouxe até aqui e sempre tentando me livrar de alguns
pesos da mochila.
No segundo trecho de bike, tivemos a nossa pior
performance. Os meninos não se sintonizaram
muito bem e, quando o bicho pegou, comecei a ficar irritada. Acho que era perto da meia noite, quando dei um chilique. Ri por dentro quando Arnaldo disse:
“Eita que demorou pra dar um piti!”. Mas o problema maior não é bem o fato de eu
falar, é a minha cara, que traduz exatamente o que estou pensando. E eles me
conhecem muito bem.
Depois de 10 sofridos PCs, com direito a vários
perdidos, pneus furados, pitos entupidos, extravasamento de GUP,
compartilhamento de iluminação e muito mais, conseguimos extrapolar todos os cortes
da prova, chegando na AT pouco mais de 3 horas da manhã, tendo esgotado todas
as reservas de comida, água e iluminação. No caso da iluminação, cada um chegou
com o seu último recurso. Para a nossa sorte, encontramos a Terra, no sentido de volta, em algum lugar, e Navarro emprestou uma bomba que nos salvou de uma possibilidade de desistência.
No PC, Bruno informou que teríamos que seguir para a chegada, em Itaetê. O detalhe é que estávamos a mais de 20 km do pórtico, separados por uma infinidade de ladeiras. Então, nos abastecemos em tudo o que precisamos, deixamos alguns pesos, comemos sanduíches e fomos embora, pela estrada de Colônia até Itaetê. Arnaldo e Lucas deram uma boa sofrida nas ladeiras, com seus pneus traseiros baixando. Parece até que combinaram! Desde o começo da prova, os pneus baixavam com frequência. Lucas precisou parar pra encher diversas vezes.
Depois de muita ladeira até o asfalto e mais uma
descida de serra alucinante, cruzamos a linha de chegada lá pelas 7 horas da manhã do domingo, com esses malucos quicando com os pneus baixos ladeira abaixo, correndo
o risco de se estabocarem pelo asfalto.
Permaneci alheia à navegação, conforme planejado. Não
sei dizer quais caminhos percorremos, se foram os melhores ou não, e nem
tomei muito conhecimento. Só sei que me diverti de verdade, reclamei um tanto, estive com as pessoas que
queriam estar comigo, e vice versa, tive a oportunidade de fazer várias reflexões,
principalmente sobre o meu comportamento dentro da prova. Era exatamente o que precisava!
Por isso, agradeço aos meus parceiros Vitor, Arnaldo e Lucas, por tudo!
Amei o fim de semana! Foi uma grande aventura, como deveria ser!
Parabéns Down, Mano e toda a equipe, pela bela festa em Itaetê, cidade que
acolhe a todos com tanto carinho!
Até a próxima!
PS: As fotos aqui na postagem foram tiradas de Rafael Rio Branco.


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