Chegar a Juazeiro e Petrolina sem
lembrar a música de autoria do saudoso Luiz Gonzaga é quase um crime!
“Todas duas eu acho uma coisa
linda. Eu gosto de Juazeiro e adoro Petrolina!”.
Estivemos nas duas durante o Desafio dos
Sertões! Gosto do nome! DESAFIO DOS SERTÕES! É desafiador!
Pra começar a conversa, tivemos dúvida se caberíamos
os quatro e toda aquela tralha no carro de Marcelo. Deu certo, na medida
do possível! Viramos sardinhas enlatadas, mas deu! Filomena, a minha
bicicleta, viajou sem os pneus dentro do carro e as outras ficaram no
rack do lado de fora. Os remos também foram por cima do carro... E fizemos uma
ótima e divertida viagem!
Feliz por relembrar
nossos velhos tempos de Aventureiros do Agreste! Sempre nos revezamos nas
corridas e fazia tempo que tinha corrido com essa formação: eu, Marcelo,
Scavuzzi e Mauro. Fazia anos! A última vez foi numa prova cheia de lama em
Saubara... Sim, acho que foi! Os meninos são muito tranquilos e aguentam muito
bem o tranco de correr com uma mulher que fala o tempo todo e se mete em tudo. Eu,
definitivamente, não sou uma mulher igual! Aliás, ninguém é!
Pegamos Mauro bem cedinho em Feira de Santana
e seguimos para Juazeiro...
As bicicletas foram deixadas em
Petrolina, no lugar indicado pela organização, com mais umas coisinhas pra
comer e beber quando passássemos durante corrida. Depois fomos à casa dos
amigos de Marcelo, que nos deram um suporte em Petrolina. Um agradecimento
especial aos amigos dele que, agora, são nossos também.
Tudo aconteceu no Centro de
Cultura de Juazeiro, onde havia fotógrafos, repórteres, atletas, amigos e curiosos. E nós
agradecemos ao Organizador do Desafio dos Sertões, Walter Guerra, que sugeriu o
rango e emprestou seu nome pra gente pedir uma pizza muito gostosa e comer em
plena plateia, com as mãos mesmo e a coca-cola no “gargalo”. Desculpem, mas é
assim mesmo! A gente de despe de qualquer padrão quando vai fazer uma corrida! Desde que sai de casa, qualquer tipo de exigência pode parecer frescura. Se der
pra lavar as mãos, ótimo! Se não der, ótimo também!
Largamos às 21h da sexta-feira, numa corrida paralela de 5km que encheu as ruas de Juazeiro de atletas. Misturados, corremos os 5km e seguimos pela noite afora, remando pelo “Velho
Chico”, já conhecido nosso de outros carnavais.
Nosso remo de 16km até que não
foi dos piores, tendo em vista que não treinamos a modalidade. Só que eu e Marcelo
não acompanhamos muito bem o ritmo de Mauro e Scavuzzi. De qualquer forma, a
previsão de tempo foi superada e não ficamos muito atrás das outras equipes.
A lua veio nos acompanhar por
toda a noite estrelada naquele Rio São Francisco que mais parece o mar. Linda lua amarelada, com uma
estrelinha pendurada! Parecia diferente do habitual. O
Velho Chico tem ondas em alguns lugares e um vento contra que aparece de vez em
quando. Mas, ele estava até calmo!
Em Petrolina, nossa transição no PC4 (chegada
do remo para começar a bike) lembrei do meu perrengue no Desafio de 2010, quando
tive uma hipotermia em plena natação. Dessa vez, eu e Marcelo sentimos muito
frio. Numa tremedeira daquelas que os dentes não param de bater e o corpo fica
descontrolado, a gente andava de um lado pro outro e se mexia como podia.
Acabei tendo que ajudar Marcelo primeiro, agindo como uma pessoa experiente em
hipotermias, RS! E isso até me fez melhorar. Colocamos o anorak e a situação aos
poucos foi controlada.
O trecho de bike para os PCs 5 e
6 foi desconcertante! Um pedal super travado, cheio de areia fofa, onde as
equipes se misturaram e tinha gente caindo pra todo lado. Não conseguia
acompanhar meus amigos e muitas vezes nem sabia onde estavam. Talvez esteja
precisando de óculos, mas, mesmo com uma iluminação boa, era difícil controlar
e entender onde começavam e terminavam as caixas de areia. Talvez esteja precisando de técnica... Fiquei pra trás mesmo...
Com toda lerdeza, não cai nem
abracei mandacarus. Mauro quem gosta de abraçar mandacarus, rs! Ninguém nem viu
os mandacarus que margeavam a trilha. Ele os abraçou. E cai parecendo uma jaca
pra todo lado que vai! A gente acha graça!
Muitas bicicletas já estavam
estacionadas pela fazenda quando chegamos ao PC6, onde deixamos nossas coisas e
começamos o trekking. Que, por sinal, foi uma brincadeira de subir morros.
Enquanto o pedal era plano e travado de areia, pedrinhas e costela de vaca, o
trekking era só subida de morro. Eu gosto de subir!
Modéstia à parte, fizemos um
trekking muito bom! Muitas equipes estavam espalhadas no pé do morro, sem
encontrar a entrada da trilha. Dava pra ver o mundo de luzes espalhadas na
escuridão. Nós chegamos ao ponto de ataque, simplesmente, nos espalhamos os
quatro, encontramos a trilha, nos juntamos e subimos sem demora. E lá em cima
foi a mesma coisa. Toda vez que a trilha sumia pelos lajedos, nos espalhávamos
rapidamente. Assim, fomos o primeiro quarteto a pegar o PC7B.
Preferimos dar a volta pelo
estradão pra pegar o PC8. Essa prova deveria se chamar Desafio dos Setecentos Morros,
de tanto morro! Então, chegamos à frente do Morro da Santa ainda de
madrugada. Mauro sacou logo que era ali a subida! Descreveu o costume da região
e comentou que os fiéis deveriam fazer algum tipo de penitência ao subir até o
topo. Confiamos e subimos a escadaria como os devotos. No fim das escadas tinha
um começo de trilha com toda sinalização necessária para uma subida segura,
indicando distância, altitude, direções, conforme descrição do nosso capitão. Eu
subia, imaginando as beatas pagando promessas, coitadinhas, subindo de joelhos, cansadas, parando para respirar. Viajei mesmo! E o PC 8 estava lá, depois
da penitência toda, com a cara de descarada dele, RS!
O sol deslumbrante, lindo de
viver e de ver, já começava a aparecer enquanto descíamos do Morro da Santa e atravessávamos a pista de asfalto, em direção ao desafio de número 9... Outro morro. Dessa
vez a gente não teve tanta facilidade de encontrar a trilha e, para adiantar, resolvemos bater um azimute e rasgar pelo mato naquela paisagem
empoeirada. Os arbustos do sertão se curvavam à nossa passagem. Os galhos, de
tão secos, pareciam queimados, enfraquecidos com a falta de chuva. Os mandacarus
eram o que havia de mais verde e o que defendia a vegetação de nós, invasores.
Machucamos-nos um pouco, só um pouco! Nós também somos agrestes como a
vegetação. Somos Aventureiros do Agreste!
Caímos na estrada que
descia para o PC 10, no encontro da trilha para o PC9. A Kaaporas passou em
nossa frente e seguiu (Luis Célio e Eduardo estão jogando duro nas Corridas de
Aventura!). Depois de nos desvencilhar de toda aquela vegetação, passar por
pedras, gravetos secos, espinhos e mandacarus, e subir bastante, é claro,
encontramos o PC escondido atrás de uma pedra enorme. (Esse pessoal se esconde
mesmo!).
Dali em diante, a coisa seria
mais fácil se o sol não castigasse tanto e a poeira não estivesse entranhada
pelos nossos poros. No final de tudo sairia um caldo de caranguejo na hora do
banho mas, isso é só um detalhe pós-prova.
O PC10 era único posto de controle de trekking localizado num
lugar plano. Encontramos a pessoa do PC sofrendo com o calor, sem camisa,
rodeado de copinhos vazios de água mineral, numa situação tão difícil quanto a
nossa, RS! Soube que teve PC pedindo resgate!
De lá, pegamos a estrada,
passamos numa vendinha pra comprar suprimentos e seguimos para o PC11. O sol
estava escaldante e fizemos uma estratégia de cortar caminho pelo morro para
alcançar o PC mais rápido. Só que acabamos passando da entrada e a coisa
demorou mais do que o esperado. Bom que Mauro fez umas triangulações e acabou
nos colocando no ponto certo de mapa. E isso nos pôs no caminho certo outra
vez.
Nosso amigo Paulo Neves estava no
PC11 com umas bebidas ultra geladas. E biscoitos também! Outras pessoas também
estavam por lá e nos deram um incentivo bem bacana! A fofa da Vanessa veio
falar comigo que era minha fã por eu navegar em
Corrida de Aventura. Achei tão bonitinho! Mas, Vanessa, pode ter certeza de
que, além de ter conquistado espaço e confiança dentro da equipe, corro com
pessoas muito especiais, que valorizam e também me chamam atenção quando
titubeio. Foi uma conquista lenta! É muito difícil ter segurança no meio de
tanto macho, onde já há o paradigma que os homens que navegam e ditam os
caminhos da equipe. A gente, hoje em dia, consegue dividir as tarefas e todos
sabem o que fazer. De vez em quando a gente faz um monte de besteira, mas, pro tanto de treino, nossos resultados são muito bem vindos! Além disso, acho
muito legal quando um deles solta um “E agora Lu? Pra qual lado a gente vai?”.
Demoramos pra caramba na
transição! Tempo suficiente pra chegar um monte de equipes. E ainda ficamos um
tempo, decidindo qual trilha seria a opção com menos areia pra gente se lenhar.
Sei que no caminho para o PC 12,
a bicicleta de Scavuzzi estourou o pneu dianteiro. Ninguém entendeu nada! Um pneu de Notubes, sem
câmara, um rasgo enorme, longitudinal. A princípio pensamos que a prova
terminaria ali. Marcelo esfregou as mãos e agradeceu a Deus, enquanto eu
imaginava os quatro chegando ao último PC de bike, empurrando as bicicletas. Só
que cada um teve uma ideia para resolver o problema. Colocamos uma câmara
normal, forramos o rasgo com a lona da plaquinha da bike (igual a do mapa),
tiramos o pito. Depois de encher o pneu, ainda enrolamos a parte rasgada com
silvertape, só pra garantir que o rasgo não aumentaria. E continuamos a prova como
se nada tivesse acontecido. Criatividade é o que não falta nessa equipe!
O PC 12 e o 13 foram bem
tranquilos de achar. Foram 30km do 11 ao 13. Como nosso pedal já não estava
essas coisas todas, o pneu estourado nos atrasou um pouco mais. Também passamos
num posto de gasolina depois do PCV 12 para comer misto quente.
Aproveitamos pra chupar picolé de uva e ficamos por ali a papear um pouco pra não perder a essência das "viagens" que essa equipe doida faz no meio da prova.
As bicicletas ficaram
estacionadas no PC13, enquanto subimos mais um morro para fazer o trekking até
o 14 e voltar. Era uma subida boa e longa, mas o PC estava depois da subida, no final da descida. Ou seja, do outro lado da montanha. Mas, foi só andar
muito, muito mesmo, só 3km, e chegar lá!
Mauro reclamava que não estava bem desde os dois últimos PCs. Na volta do 14, a coisa começou a piorar. O PC
era num restaurante do vilarejo, onde tinha gente da organização, atletas e
pessoas comuns. Mauro começou a tossir, o vômito veio e encheu sua boca. Conseguiu prender e correu pra um lugar melhor. Enquanto ele vomitava, as
pessoas nos olhavam sem entender porque continuamos fazendo o que estávamos
fazendo, sem acudir nosso amigo. Mauro fazia um barulho terrível, vomitando,
enquanto eu e Scavuzzi falávamos do conteúdo do vômito (rsrsrs!) e refletíamos
que botar pra fora aquelas porcarias todas faria um bem danado pra ele.
E fez! Sei que, quando o rapaz terminou de
vomitar, passou a mão na boca e disse que tínhamos que ir, pois estávamos
demorando muito! Obedecemos!
Nosso pedal de mais 30km do 15 ao
16 entrou pela noite e não me lembro de ter sentido tanto sono nas corridas que
fiz, quanto neste dia. Aliás, nesta noite. Chegamos ao PC 16, deixamos as bicicletas, comemos um pouco e fomos remar
até a chegada.
Vixe! Que sono! Dormi remando
várias vezes! Coitado de Marcelo! Minha contribuição nessa perna de remo foi
medíocre! Tive alucinações e, só pra dar uma ideia da situação, vi um
caminhão baú metálico no meio do rio, com uns homens colocando carregamentos.
Também passou um homem andando sobre a água em minha frente usando uma túnica branca. E, se tivesse
alguma equipe por perto, seríamos ultrapassados, sem dúvida!
Parecia interminável aquele
sofrimento, que não era dor. Era uma luta para manter a postura, para manter os
olhos abertos, para remar e ajudar meu amigo a chegar ao final da prova. Mas,
terminou, como sempre! Quem faz Corrida de Aventura sabe que uma hora acaba,
basta ter paciência.
Nossa chegada foi comemorada por
nós mesmos! O PC dormia naquela madrugada fria. Fiquei imaginando o sofrimento deles. Marcelo e Scavuzzi foram se
esconder do vento frio, atrás do balcão do restaurante, enquanto tentávamos achar o PC da
chegada em algum daqueles carros, no décimo segundo sono, RS! Achamos, registramos nossa chegada e fomos pra casa dos amigos tomar banho e
dormir, com direito a uma paradinha pra comprar um sanduba bem gostoso pra
rebater a bagaceira!
Só para finalizar a conversa,
quero dizer umas poucas palavras! Mapa impecável, prova brilhante, glamourosa e
elegante. Também agressiva, desgastante, dolorosa e empoeirada do jeito que a
gente gosta! E que bom que tem gente nova e tem dinossauros! Que bom ter amigos
tão queridos, com os quais posso correr e me divertir muito! Que bom que pude viver mais essa
grande aventura! O Grande Desafio dos Sertões! Melhor! No "frigir dos ovos", pegamos um pódium de terceiro lugar, só para compensar o sofrimento. Viva nóis!
Beijos e até tantas outras!
Luciana do Agreste
Retroceder Nunca, Render-se
Jamais e Divertir-se Sempre- Esse é o nosso eterno lema! Pode até doer, mas a gente não desiste e dá risada pra caramba!
Comentários
Ni! Vamos marcar um cineminha pra fazer coisa de gente normal! Também gosto, rs!
Beijos e obrigada por ler o relato!