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Trilha Salkantay- Dia 2- Soraypampa a Chaullay- 20km

   Noite fria no chão duro! O saco de dormir não deu conta na categoria conforto, nem aqueceu o tanto que deveria. Os ossos do quadril não encontraram posição sem doer naquele chão de madeira. As meias não deram conta do frio em sua totalidade. Dormia apenas o tempo de doer muito o quadril para mudar de posição por causa da dor. Pensava o tempo inteiro no Humantay, na dor no quadril e no frio nos pés. Reflexão demais da conta!
   No acampamento lotado,  perto das 5h da manhã, os guias começaram a acordar seus pupilos e a nós, por tabela. Decidimos esquecer o Humantay, tomar café em D. Andrea e seguir caminho rumo à Chaullay. Até então não tínhamos certeza de que o hostel reservado existia mas, no ruim de tudo, acamparíamos outra vez. Ninguém, por todo o caminho, sabia informar sobre o Salkantay Hostel.

O amanhecer.

   A subida do Salkantay é indócil! A passos de tartaruga, dividíamos espaço com mulas mancas, guias apressados e alguns trilheiros. A sensação de lentidão era sentida até na hora de tirar uma foto. A cada passo uma vitória, a cada olhada pra trás a paisagem incrível no vale. Aliás, tudo era cenário de cinema. Então, cuidamos de dosar o ritmo e aproveitar o visual.
   A subida de 7km do Salkantay (4625m) durou cinco horas. Seguramente, um dos lugares mais lindos que meus olhos puderam ver a partir de todos os ângulos. A respiração voltou ao normal. Contemplamos, refletimos, fotografamos...






   Do outro lado, outro vale com um rio margeando o lado direito da trilha. Bem lá longe, avistávamos umas casinhas. Descemos a passos rápidos, felizes com a conquista do Salkantay, dando graças por não termos tentado subir o Humantay pela manhã. Realmente não seria bom.


   A paisagem deslumbrante nos acompanhava, junto com o barulho do rio. Uma descida deslumbrante rumo ao vale que mergulhava na floresta. Chegando nas casinhas, qualquer lugar onde servia refeição estava destinado aos grupos guiados. O chão parecia um campo de guerra, de tanta gente sequelada, com pés machucados e caras vermelhas.
   Encontramos uma vendinha com bebidas e salgadinhos. A coca-cola geladinha ao ar livre caiu muito bem com nosso atum enlatado. Quem precisa de geladeira naquela temperatura? Rs!


   Dali, faltavam uns 9km de descida até Chaullay a 2900m de altitude. Tome-lhe quadríceps e joelhos! Como deixamos a turma do campo de guerra descansando, acabamos fazendo o trekking sentindo aquela solidão aliviada, interrompida pela passagem das mulas de carga, visivelmente cansadas, e pelos cozinheiros e guias, sempre apressados. Situação que nos causou um desconforto muito grande.
   A vegetação mudou completamente para o verde escuro de floresta amazônica, onde mergulhamos. O Salkantay ficava pra trás, enquanto Vitor tagarelava. Disparou a refletir sobre o contexto social do Peru, desigualdades sociais, exploração do povo daquela região com o turismo, sofrimento dos animais. Depois começou a falar sobre as experiências que a gente leva dessa vida, todas as informações que a gente guarda, o valor do dinheiro, sobre comprar um carro caro ou viajar.. Então veio o papo sobre a dimensão espaço-tempo, a dobra do universo... Quê?! KKKK! Àquela altura eu estava viajando no espaço e no tempo. Gente, ele fala muito! E eu ali, toda trabalhada na reflexão.


   Enquanto isso, as mulas desciam levando utensílios, mochilas e barracas. Morri de pena! Muita descida! As perninhas delas chegavam a tremer com o peso.


   Conversa vai, conversa vem... Finalmente, chegamos em Chaullay! E não é que o nosso hostel existia! O único problema foi que o dono não estava lá e o lugar não era exatamente como pensávamos. Mas a mãe do rapaz, que falava o dialeto Quechua, conseguiu arrumar a acomodação pra gente, com a ajuda de um “translater”, irmão do Manoel, que chegaria no fim da tarde.
   Enquanto eu acomodava as coisas no quarto, Vitor saiu à procura de um lugar pra comermos algo que não fosse os lanches de trilha. Voltou com uma notícia maravilhosa! D. Guillermina faria truta com arroz e salada, pescada do seu próprio criadouro. Enquanto isso, um banho seria uma ótima pedida, depois de dois dias inteiros de corpitcho sujo.
   O hostel que reservamos pelo Booking ficava dentro do acampamento, numa estrutura de madeira e madeitite, sendo que algumas paredes eram de papelão. Deve ter faltado madeirite, rs! No quarto tinha duas camas meio-casal, tomadas com fiação improvisada dentro de tubos de PVC. A porta só fechava de dentro pra fora. De fora pra dentro, só teria chave quando Manoel chegasse. Praticamente, o paraíso dentro do paraíso! Banheiro compartilhado com água quente, toalha limpa, cama com colchão fofo e quentinho. Tudo dentro de um vale que só cabia umas casinhas, o camping, o rio e a estradinha.
   Limpos e cheirosos, atravessamos um córrego e tangemos umas mulas pra chegar no bar de D. Guillermina. Ao som de despacito, aguardávamos nosso jantar com ansiedade. Que delícia de jantar!!!
   O irmão de Manoel, intérprete da “mama”, ficou assustado com nossos planos do dia seguinte. De Chaullay até Águas Calientes (Machu Picchu Pueblo) era caminhada muito longa, dizia ele, oferecendo condução até La Playa, pra aliviar o percurso. Sugeriu que dormíssemos em algum lugar porque, direto por Llactapata seriam mais de 13 horas... Pessoalzinho baixo astral, querendo estragar nossos planos. Rs!
   Quando Manoel chegou, pediu mil desculpas por não ter nos recebido. Embora igualmente assustado com nossos planos, deu várias dicas para o trekking até Águas Calientes. Avaliou que chegaríamos em, no mínimo, 13 horas e combinou nosso café da manhã às 5h.
   Nem preciso contar que dormi como um anjo...






Comentários

Lucy disse…
Vitor fala muito.......oi????????Lulu, achaste alguém que fala mais que tu? Não acredito....hahaha.

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