Café robusto com mingau de aveia, ovos revueltos sem tempero, café com leite e pão! Maravilha pra começar
um trekking de 35km. Com planos de superar as expectativas locais, certos
de que não teríamos dificuldade com altitude nesse trecho, queríamos chegar em
Águas Calientes ainda de dia. Na pior das hipóteses, chegar na Hidroelétrica de
dia, já que o caminho dali em diante era pela linha do trem.
Às 5:50h já estávamos com o pé na estrada. Sempre sozinhos nessa parte da viagem, seguimos pelo estradão até uma ponte, onde uma
trilha atravessava para o lado esquerdo do rio Urubamba. Trilha linda que
contornava um paredão do vale, enquanto do outro lado do rio estava a estrada, até se encontrarem outra vez em La Playa, em outra ponte. Poucas subidas, mata verde escura, pontes de madeira nos ajudavam a
transpor as cachoeiras que desciam das montanhas. Caminhávamos animadíssimos,
curtindo a paisagem, os bichos e o barulho do rio. Encontramos plantações, um
pequeno camping e uma vendinha de bebidas e frutas pelo caminho. Sempre tem um
lugar pra comprar água e comida, mesmo que seja só salgadinho industrializado.
Em La Playa (2350m de altitude), depois de uns 15km de
Chaullay, rolou uma paradinha rápida pra tirar o peso da mochila das costas,
beber algo e comprar umas frutas. E seguimos em conversa tão animada que
aumentamos a velocidade. Descendo uma ladeira, fizemos um vídeo para os nossos
amigos que não puderam ir, Mauro e Gabi... Com 16km, percebemos que a ponte que esperávamos
não tinha passado e que, talvez, estivéssemos no caminho errado. Mas como que
só tinha aquela estrada no mapa?... Perguntamos... Então?! Aquela estrada não estava no mapa.
Voltamos pra ponte, subindo a ladeira de volta,
respirando ofegantes e tentando recuperar o tempo perdido. Esses 3 km a mais
poderiam fazer diferença lá na frente mas a gente só queria achar a ponte e
seguir pra Hidroelétrica. Pronto, a ponte!
Continuamos pela estrada até Lucmabamba, onde ficava a
bifurcação pra Llactapata... cada nome de vilarejo, que só Jesus Cristo na causa!... Na bifurcação, uma entrada para a direita com placa
enorme, informando “Hidroelétrica 11,9km”
Sabe aquela história de que não tinha mais subidas? Tudo
mentira! Morri de subir ladeira! Mais de 5km, parando só pra fingir que estava contemplando a natureza. Quase no fim da subida, as
vozes de crianças nos animaram. Mais uma vendinha de frutas, salgadinhos,
doces e bebidas, e coca-cola. A menina disse que a gente subia só mais um pouco
e encontrava os pampas. É isso aí,
animação!! Daqui em diante tem pampas, eu
pensava. Oba!
Continuamos a subir a morrer até os pampas. Lá em cima, muito em cima mesmo, tinha outra vendinha com
uma senhora muito simpática que deixou a gente usar a mangueira para lavar as
mãos e o rosto. Vitor se deliciou com um abacate com açúcar, eu comi banana e
continuamos. Mas a senhora quis nos mostrar uma coisa, pedindo que a
seguíssemos pela trilha. Abandonou sua vendinha e foi com a gente até uma bifurcação.
Pra frente seguiríamos pelo nosso caminho e pra esquerda, ela retirou umas barreiras de madeira e nos levou até um barranco descampado de onde dava pra ver Machu Picchu
inteirinha, lá embaixo, e a Hidroelétrica, mais lá embaixo ainda.
Perplexa, várias frases viam à minha cabeça ao mesmo tempo:
- Meu Deus, como subimos!!!
- Jesus Maria José, como está longe!
- Putz! A hidroelétrica é mais longe ainda!
- Uau, que lindo!
- Por quanto tempo mesmo vamos andar por esses pampas?
Gente, a conta dos 34, 35km não estava fechando. Nos
despedimos da senhora simpática e começamos a descer. E os pampas? Os meus pés começavam a dar sinais de cansaço, uma unha
começou a avisar que sairia do dedos, o quadríceps disse que estava presente e
a cabeça informava pra todo mundo que o trabalho em equipe era super importante
naquele momento. Não aguentava mais descer em zigue-zague. Um penhasco escorregadio, uma
descida muito mais cruel do que todas ficou ali, reservada pro último dia.
Escondida, minha gente!! Ninguém avisou desse suplício. Não dava pra enxergar o
fim do buraco, não dava pra ver o rio, mesmo quando a vegetação abria.
Uns 5km descendo a floresta, até que encontramos uma ponte
para atravessar o rio e chegar na estrada. Daquelas pontes que balançam tanto
que a gente tem que segurar nas laterais e, se cair, morre. Vitor morreu de medo e nem quis
tirar uma fotinha pra registrar, rs! E a estrada ainda seguia por uns 2km
infinitos.
Na entrada da hidroelétrica, registramos nossos passaportes, seguindo para a linha do trem exatamente às 16:10h. Olha só que delícia!
Andamos horrores e ainda chegamos de dia pra o trekking da linha do trem.
Foi a hora da caminhada que tivemos companhia de outras
pessoas por perto. Vários mochileiros faziam o mesmo. Ao invés de pegar o trem,
iam caminhando. Como seriam duas horas de trekking, nos animamos, acelerando o
passo pra chegar o mais rápido possível. Deu duas horas de caminhada, escureceu
e nada de Águas Calientes. O peso da mochila, os calos nos pés, a unha solta...
Tudo incomodava nas pedras soltas da linha do trem. Ligamos as lanternas e
continuamos nosso suplício, que até ali contava 45km. Passamos pela
entrada de Machu Picchu, por dois túneis e avistamos as luzes.
Veio um sentimento de gratidão, misturado com a serenidade da certeza de que conseguiríamos. Uma alegria boa. Mas, sofrimento pouco é bobagem!
Depois de entrar na vila pela linha do trem, descobrimos que o hostel ficava na
parte mais alta da vila. Rimos das nossas próprias caras!! KKK! Os dois fedorentos,
tipo bicho-grilo, subindo a ladeira, acabados, enquanto um monte de gente
descia de bota com salto, casacos bonitos... Piada pronta que a gente se
acaba na resenha. Afinal, nosso quarto ainda ficava no terceiro andar.
Pois é! Conseguimos fazer a trilha Salkantay em
três dias. O argentino da Peru Goyo Expedition precisava saber do nosso feito!
A gente riu na cara do desafio. A gente jogou duro! Sem mula, sem carregador,
sem carro, mochila no próprio lombo e pé na trilha!
Enfim, mandamos as roupas pra lavanderia porque o fedor
estava horrível, tomamos um banho e descemos de sandália havaiana pra o
restaurante Índio Feliz pra comer comida de verdade e tomar um porre de Pisco
Sour. Viva nóis!!
Ah! Eu quero fazer um agradecimento muito especial ao meu marido. Ele quis casar comigo mesmo sabendo que eu fazia essas coisas doidas, mesmo sabendo que invento muita arte. Das nossas melhores aventuras, essa foi a mais incrível! E mesmo com todo perrengue da caminhada, do frio, da altitude, cheguei ao final com aquela velha certeza de que esse é o cara com quem quero passar o resto da vida. Gratidão!
Ah! Eu quero fazer um agradecimento muito especial ao meu marido. Ele quis casar comigo mesmo sabendo que eu fazia essas coisas doidas, mesmo sabendo que invento muita arte. Das nossas melhores aventuras, essa foi a mais incrível! E mesmo com todo perrengue da caminhada, do frio, da altitude, cheguei ao final com aquela velha certeza de que esse é o cara com quem quero passar o resto da vida. Gratidão!
Comentários
Adorei sua aventura, Lulu. A energia desse lugar é especial. Que você se lembre dessa trilha sempre que as coisas estiverem difíceis. Que a Montanha esteja dentro de você! Beijos de Luz!
Boa tripp