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No mato sem cachorro



A organização da Carrasco propôs retornarmos àquela serra perto do rio Paraguassu para atingirmos uns pontos que não foram alcançados pela maioria das equipes na última etapa. Desafio de orientação! Mauro se candidatou de imediato, mas esqueceu de avisar que eu iria com ele. Tava sem tempo de acompanhar os emails. Alegou que precisávamos afinar a navegação para o Ecomotion.

Foi tudo de última hora! Conclui, na minha cabeça doida, que ele se encarregaria dos detalhes. Só esqueci que todos pensam que sempre me lembro de todos os detalhes. Na verdade, já fui muito boa nisso! Atualmente, deixo o mar pegar fogo pra comer peixe frito.

Fizemos o treino de trilha de bicicleta do sábado de manhã, voltei pra casa corrida, comprei a comida de Totó pra ele não morrer de fome, as crianças viajaram com o papai Xuxu, dei as coordenadas a Neusinha, pedi pra vizinha alimentar Totó à noite, joguei comida numa sacola. E peguei a estrada crente e abafando que voltaria pra casa até o amanhecer do domingo.

Na estrada, já fomos percebendo que não tínhamos tudo o que precisávamos para passar a noite na serra, no meio do mato. Nem achei que passaria a noite. Mauro checou os faróis remendados. Fomos lembrando das coisas que esquecemos durante o trajeto de carro. Esquecemos de quase tudo. Então Mauro comprou uns sacos de lixo de cem litros e papel alunínio em rolo num posto de gasolina para qualquer urgência. Vocês vão rir depois!

A concentração foi na casa da Dona Amália, uma senhora muito distinta, educada, conversadeira e hospitaleira que mora numa fazenda lindíssima, antiguíssima, na beira do rio Paraguassu. Que casa aconchegante! Portas e janelas gigantes! Piso de tijolo cru, móveis de madeira coloridos com tecidos de florzinha, fotos dos netos, dos filhos, antiguidades. Fiquei encantada! Lembrei da minha terra, dos meus pais.

A serra detrás da casa da Dona Amália era o nosso objetivo. O tempo avisava que a noite seria de aventura. E eu ficava ali pensando porque que não estava no cinema com as minha amigas em pleno sábado à noite, como qualquer pessoa normal. Ai... ai!

A turma que compareceu era das melhores! Só gente bacana, engraçada, de alto astral. Éramos uns dezesseis para subir a serra, contando com a organização. O objetivo era atingir três pontos durante a madrugada, o que dava um trekking de uns 20km para quem fizesse pelo caminho certo. Nos deram rádios e monitoraram a área durante todo o tempo. Navegação casca grossa! Não era corrida, apenas um desafio.Todos poderiam ir juntos, se quisessem.

Partimos às 19h, num pequeno trecho de trekking até a beira do rio. Lá, o Sr. Antônio nos atravessou de 5 em 5 até o outro lado numa canoa caiçara que balançava horrores, como toda canoa caiçara que se preze. Enquanto esperávamos pelos outros, as nuvens negras iam se aproximando cheias de raios e trovões. Pro lado da serra era tudo preto! Dava medo de olhar. Cada raio que clareava o breu da noite todinho. Fiquei ali, deitada na beira do rio, pensando na probabilidade de um raio cair em minha cabeça. Onde deveria ficar para não ser atingida? O que tinha que fazer? Acho que nada! Rimos, eu e Mauro, dizendo que faríamos tudo rastejando porque o raio só pega nos pontos mais altos.

Depois de juntar todo mundo, Paulinho, da Caatinga Trekkers, fez um rápido briefing com recomendações de ataque aos pontos e deu a "largada". Resolvemos fazer o melhor trekking que pudéssemos para valer a pena o treinamento. Lila, nossa amiga da Bike Rei, se juntou a nós desde o começo. Ficamos em três.

A parte de baixo foi bem fácil de resolver! Pegamos o PC14 na subida da serra, junto com todos os outros, bem como os prismas virtuais. Então começamos a subir com faróis em punho e passos rápidos. Nos afastamos e encontramos os outros atletas muitas vezes. Entramos e saímos em algumas trilhas até acharmos a subida certa. Lila aprendeu rapidinho a contar passos, o que ajudou demais em todo o desafio, pois falo tanto que perco as contas toda hora.

Subimos a serra noite adentro, passando por pedras e galhos, desviando de teias de aranha, suando e respirando fundo. Lá em cima apareceu o primeiro lajedo que levava a um emaranhado de trilhas. Fomos tateando trilha por trilha e conferindo o azimute com a bússola. Demoramos um pouco, encontramos a organização. Evinho, o PC, apareceu dizendo que a mochila dele era a referência. Então partimos em busca da mochila. Foi engraçado que, depois de algum tempo procurando, cheguei perto dele e falei "agressivamente": "ONDE ESTÁ A SUA MOCHILA!! DIGA AGORA!". Tivemos que procurar mesmo, pois ele não disse.

Depois de uma meia hora de busca, lá estava a mochila de Evinho. E a organização pediu que ficássemos todos juntos, esperando o grupo inteiro reunir para partirmos novamente. Só que a chuva começou a cair, o frio bateu forte naquele lajedo em cima do morro. Lembram dos sacos de lixo de 100litros?? Pois! Abrimos buracos para a cabeça e os braços nos sacos de lixo azuis. Ainda cobrimos Evinho todinho com o papel alumínio. Ficamos todos embalados. Sentamos no chão. Era quase 1h da manhã. Fazia muito frio e eu só pensava no meu cachorro que ia morrer de fome. Pensava também porque que eu era tão maluca! Como é que a pessoa se desembesta pelo mato em pleno sábado à noite, numa chuva retada, um frio de lascar!? Porque não pegar um cineminha e ir pra casa dormir? Só que também lembrava que escreveria tudo isso, e diria o quanto amo fazer essas maluquices. Na verdade nem acho maluquice. Sinto-me muito à vontade no meio do mato! E a coisa nem tinha chegado à metade.

A chuva passou. O frio não! Tive a idéia de fazer uma foqueira mas, só foi a idéia. Lila, Betinho, Mauro e Evinho foram procurar gravetos e organizar as pedras para a fogueira. Marcinha achou um isqueiro na mochila. Tentei pegar uns gravetos enquanto batia os dentes. Deve ter demorado uns 15 minutos pro fogo pegar, o que pareceu uma espera sem fim. Tive vontade de entrar na fogueira. Parecia aqueles frangos de televisão de cachorro, girando perto da fogueira. Com todo cuidado para meu anorak de saco de lixo azul não queimar.

Junto com a fogueira, os ânimos também se acenderam. Apareceu até farofa de frango de posto de gasolina pra gente comer. Fruta, chocolate, biscoito. Começamos a ouvir as vozes, até que, enfim, apareceram os outros. E teve mais comida e mais conversa.

Paulinho deu as instruções para atacarmos o último ponto. Partimos novamente. Eu, Mauro e Lila continuamos juntos. Encontramos e desencontramos a turma muitas vezes, até que sumiram todos para sempre. Eternamente! O tempo passava! Nos embrenhávamos cada vez mais pela mata! A gente subia, descia, subia descia, caia, subia, comia mosquito, tropeçava em cipó, pulava árvore caída. Era teia de aranha pelo meio da cara toda hora. A região era muito íngreme! Eu dava pitaco toda hora na navegação. Atrapalhei com tanto pitaco.

O pessoal começou a gritar para nos localizar. A brincadeira estava encerrada! Só que a gente não sabia direito de onde vinham as vozes. Ora parecia que estava de um lado, ora de outro. Eu, Lila e Mauro estávamos numa ribanceira, presos, sem saber como paramos ali, muito menos como sairíamos.

Abrimos o rádio! Evinho dizia para irmos para o sul. Mauro respondia que não tinha como sair de onde estávamos. Eu me acabava de rir, imaginando Lila, coitada, que foi com a gente confiando em nossa navegação. Mauro disse umas quatro vezes que não dava pra sair dali e parado ficava. Só rindo mesmo! Se Mauro que é Mauro, que já escalou até o Pão de Açúcar, não sabia como sair dali, imagine a gente!? Então o desafiei, perguntando se estava esperando um helicóptero descer naquele fim de mundo para nos resgatar. E a figura, finalmente, lembrou que aventureiro, que é aventureiro, sabe sair do meio do mato, mesmo que não saiba onde vai parar. Saiu rasgando mato e comendo mosquito a três por quatro!

O dia estava claro quando conseguimos achar o resto do pessoal. Quase todos dormiam dentro de sacos de alumínio. Outros tremiam de frio. Comemos um pouco e nos preparamos para a volta guiada, graças a Deus. Lembrava que meu "au-au" poderia morrer de fome. E era muito chão pra voltar! Eram 6h da manhã. O trekking duraria mais de 2h. Ainda tinha estrada. Meu cachorro ia ficar com fome por muito tempo.

Fizemos o trekking em 2:30h. Enquanto descíamos, pensei que não deveria me sentir nem um pouco decepcionada por não ter conseguido chegar até o último ponto sem uns gritinhos pra ajudar. Fizemos o que pudemos e chegamos bem perto. O pessoal da organização desceu de GPS, só pra vocês terem uma idéia. E se perdia um pouco na trilha. Vi que era muito difícil mesmo! Muito mesmo! A descida foi cansativa, as minhas pernas estavam cansadinhas. Sentia fome. Foi um alívio atravessar o rio na canoa de Sr. Antônio. A casa da Dona Amália nunca pareceu tão longe.

Dona Amália mais uma vez deu um show de hospitalidade! Tinha banho quente, toalha limpa, café com cuscuz e muita conversa boa.

Cheguei em casa umas 3 da tarde! Totó nem morreu nem nada! Tava todo serelepe e contente, como sempre. E acho que comeu folhas enquanto a comida não aparecia, porque peidou muito fedorento enquanto jantávamos. Bati uma feijoada deliciosa e fui dormir feliz da vida com mais uma aventura inesquecível no meu curriculum, que vou contar para os meus filhos e para os meus netos.

Comentários

Anônimo disse…
lulu seus releases sao otimos, tao cheio de detalhes legais. Morri de rir e ao mesmo tempo morri de saudades tb... Como foi bom o tempo que passei na Bahia...

Grande beijo!
Aluino

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