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Resenha DS 2021- 110km

Foto: Janaína Coelho

     O que há de mais marcante no Desafio dos Sertões? Seria o sorriso maroto de Waltinho ou a serenidade de Daniel? Seria o churrasco no final da prova ou o percurso desafiador? Seria o encontro de atletas de todo canto do país? Pois!! Pra mim, sempre será inesquecível porque sou a amancebada do Desafio dos Sertões. Juntei meus panos de bunda com Vitor, oficialmente, lá! Como esquecer?! Pra todos, o DS é um clássico imperdível! É confraternização certa, mas também é sofrimento garantido, perigo iminente, aventura na veia e na alma! 
     Nem arriamos as malas da Malaraca, já estávamos inscritos no DS. Do aeroporto mesmo, entre uma cerveja e outra, na cachorrada, inscritos! 
     À propósito, a vida continua depois de uma prova de 500km. Pensar que não precisa treinar pra próxima prova é pura ilusão. Até tentei ficar ON mas meu corpo não entendeu a mensagem, ainda estava OFF. Passaram-se os 15 dias de descanso da Tia Fê, ainda morria de sono, unhas caíam, tornozelos doíam, planta do pé formigava. Uns treinos rendiam, outros não. E fui levando a vida sem culpa, na maciota, respeitando minhas limitações. O DS foi sofrido pra mim.
     Na cara de pau, com duas últimas unhas nos pés, lá estava eu, esperando o Buzu da FBCA, rumo à Itaitu, Jacobina. Aliás, que dádiva essa parceria da SUDESB com a Federação! Além da economia e resenha garantidas, facilita demais a vida de quem precisa descansar na volta da viagem pra trabalhar no outro dia. Sem contar que a gasolina está pela hora da morte, gente! 
     Itaitu é uma pequena vila, bem coloridinha, com casinhas singelas, rodeada de montanhas e cachoeiras. Há muitos anos atrás, fizemos uma Carrasco, cuja largada aconteceu em Morro do Chapéu, passando no Parque das Sete Passagens (Itaitu) até Jacobina. Lembro das muitas emoções que vivi, do quão absurdamente desafiador foi, da minha pouquíssima experiência em Corrida de Aventura. Achei aquilo incrível! Ficava pensando no que minha mãe diria se me visse pendurada numa ribanceira daquelas. 
     Voltando ao presente... nos alojamos numa casa tão colada na praça do evento que, a falta de manutenção em tudo nela não nos abalou. Junto com Plínio, Maurão e Lene, eu, Vitor e Maurício nos acomodamos bem, demos boas risadas e compartilhamos muitas histórias. Temos história! Sempre é bom demais ficar perto desse povo! O único problema é que o pessoal peida muito e fica bem complicado de vez em quando. 😂😂
     Na noite antes da prova não teve quem dormisse, pelo menos até as 2 horas da manhã. Madrugada afora, Plínio saía correndo pela rua de pijama atrás dos cachorros, que insistiam em latir. Um inferno! Ouvi ele correndo e tangendo os bichos, ao menos umas 2 vezes. No fim das contas, devemos ter dormido pouco mais de três horas pra depois correr uma prova de 24 horas.
     Praça cheia, atletas de todos os cantos, sotaques variados e muitos amigos! Com tantos abraços, esquecemos a COVID-19 por um tempo. 
     Correndo feito doidos, como sempre, adrenalina a mil, largamos às 8:30. Foram 2 km de estradão até uma vilazinha chamada Piancó, até começarmos os trechos mais estreitos e íngremes. Apesar de todos os avisos sobre a dificuldade de navageção nesse primeiro trekking, encontramos os PCs sem grandes dificuldade.s A trilha, aberta recentemente, tinha marca de facão em tudo que era árvore. Em alguns momentos, andamos em comboio, outros não. Os meninos sempre davam uma adiantada boa, enquanto fazia força pra acompanhar. Entre o PC1 e o PC2, o coração batia no pescoço. Eles desciam virados na zorra, nem dava tempo de recuperar, e eu que não chegasse junto que ficava pra trás. Por perto, equipes emboladas, incluindo nossa galera linda dos 50km e o quarteto Aventureiros 1. 



     Cachoeiras lindas! Cada queda d’água de lavar a alma! Pedras escorregadias demais, lugares onde as pernas curtas não alcançavam com muita desenvoltura. E todos os caminhos até os PCs foram igualmente íngremes, molhados e emocionantes, até chegarmos ao PC do rapel, nosso motivo de pressa. Era fila certa e, obviamente, quem chegasse na frente, esperaria menos.  
    Chegamos junto com Kikuti e Fofinho, e muitos outros amigos, e esperamos umas duas horas até ver os nossos parceiros descerem de rapel. Na espera, tomei um banhozinho, que me rendeu uma tremedeira de frio até a hora de sair. E meu amigo João quase cicatrizou os olhos de tanto dormir. 

Foto: Pugliese
     Acabou o rapel, seguimos pela trilha no trotezinho maroto até a saída do Parque, onde encontramos o fofo do Waltinho. Fofo demais! Fica tocalhando a gente, oferece água.😄 Tá vendo que tem organizador gente boa nesse mundo? 
     Enfim, fizemos uma transição rapidinha do trekking pra bike. No susto da troca de sapatos, deu tempo de correr do outro lado da praça, pedir e pagar o caldo de cana, sem perder nadinha de tempo. Porque todo mundo merece uma Glicose na veia. 
     O trecho de bike até a natacão foi suave, como diz João! Poucas curvas de nível no mapa, parte do caminho na companhia das mandacaruzetes- Mano, Taninha e sua filhota, junto com Lene-, que acabaram nos seguindo de carro e registraram esse trecho com fotos e filmagens. Praticamente uma equipe de mídia particular. Obrigada, meninas!

Foto: Edilene Amorim
     Transição rapidinha, nadamos até o PC8 e seguimos até o B. O saco estanque com nossos tênis que Mau puxava, fiz de reboque. A vegetação densa atrapalhava o suficiente, deu uma chuva danada, João disse que viu um jacaré mas acho que foi cachorrada dele. O PC parecia que não ia chegar nunca! Foram quase 2km batendo perna… Enfim, ufa! 
     “Se tem jacaré? E muito!! Mas não bole com ninguém não.” Foi o que nos disse o moço que estava na beira da lagoa quando terminamos de nadar. Raiai... Deve ser manso igual a cachorro. 😏😎
     Voltamos pela estrada, passamos pelo carro onde estavam os coletes, deixamos tudo lá e seguimos pra transição, PC9. Ah! Se você precisar de alguém pra apertar sua mente na corrida, chame João! Se sua transição não melhorar, o problema tá contigo, na boa! Nesse quesito, Maurício tá até ficando bonzinho. Vale ressaltar que o filho dele, Dudu, tá aprendendo direitinho, quase me empurrou no primeiro trekking. 
     A pedalada até o PC15 foi mais cruelzinha! As subidas se intensificaram consideravelmente, assim como a dor nas minhas pernocas destreinadas. Pegamos os PCs na sequência 11-10-12-14-13, até o 15, onde mudamos pra trekking outra vez. Como os meninos estavam de porta mapas, a neurótica aqui decorava percurso e distância pra acompanhar de cabeça, só pra não deixar de azucrinar o juízo deles. Correr comigo não é fácil não... Se eu não tiver navegando fico azuada, quero saber pra onde vou. 



     Era noite quando chegamos ao PC15. Bem que a organização falou que o 16 seria só um descanso da bike. Trekkinzinho maneiro, plano, agradável, até uma cachoeira... rapidinho, gostosinho, de boa na lagoa. Mas a moleza acabou quando voltamos pra bike. 
     PC18 looonge! Ladeira como diacho, lama segurando a progressão. As poças de lama gigantes e travessias de rios deixavam alguma dúvida sobre atravessar pedalando ou não. Mas os meninos testam tudo pra mim. Quando eles caem eu passo por outro lado. 😁😂 Entre o 18 e o 19, encontramos a AA1 num bar, onde paramos pra velha e boa Coca-Cola com biscoitos. 



     Chegamos ao PC20 por volta das 23:00, bem longe da zona de corte. Ou seja, mesmo com toda espera do rapel, andávamos bem, seguíamos com objetividade, pegando todos os PCs. 
     Começamos o trekking pelo rio, em direção à sede do Parque das Sete Passagens. Sentindo ligeira nostalgia, lembrava da minha passagem por lá na Carrasco. O trekking de agora, ora pelo leito do rio, ora por trilhas laterais, pareceu mais fácil. As trilhas acabaram, seguimos pelas pedras, algumas equipes voltavam, avisando sobre as abelhas nas pedras. Junto com a AA1, em silêncio, ajeitamos os anoraks, colocamos capuzes e luvas. Levamos ferroadas bem antes de chegar na pedra da cachoeira, onde havia uma corda lateral. Ali sim a lembrança viva! Tudo igual, a corda do mesmo jeito, como única alternativa de subida. Inclinação de mais de 45 graus, sem dúvida, e lá embaixo, o poço cheio de espuma branca. Subir não era opcional, exceto em caso de desistência. Enquanto as abelhas seguiam nos ferroando, a equipe Mandacaru descia cheia de malemolência, escorregando muito, uns com pressa, outros com tensão, outros com as duas coisas. Vitor e Mauro subiram e perceberam que a corda estava folgada. Ajustaram. Apesar de hesitar, subi com uma habilidade surpreendente, digna de uma pessoa que tem um instinto de sobrevivência capaz de lhe trazer força, coragem e técnica de onde não se espera. Como se estivesse andando, encontrando fendas pra firmar o pé, catei corda até lá em cima. 
     O Desafio dos Sertões testa tudo em você, inclusive a sua capacidade de dar desculpas pra não seguir em frente. O filho chora, a mãe nem sonha! Lá você vai encontrar argumentos convincentes pra parar. É lá também que você vai se arrepender de ter desistido, porque desistir é pra sempre. E vai ser exatamente lá onde você vai ganhar confiança, força e coragem pra seguir em frente. Não lembro de ter pensado em desistir no passado, agora então, nem sonhei com isso. 
     A subida continuou muito íngreme! Eu já fiquei pensando na volta, nas cordas, na inclinação das pedras, nos meus filhos. Mas os pensamentos foram dissipados quando a trilha sumiu e Maurício começou a pular pedras e dizer “-Aqui dá pra passar!”. Cachoeira acima, pedra demais, progressão difícil, a voz na casa da zorra! Seguimos hesitantes, mas avançamos até o paredão ficar muito íngreme e termos que reavaliar a situação. Juntos, pensando direitinho, um azimute pra esquerda nos jogava em cima da estrada. Mesmo muito íngreme, não andamos 20 metros e lá estava a trilha outra vez. Catarse do momento: “Maurício é foda! Tem horas que dispara…”. Ainda bem que coisas boas acontecem quando ele dispara.
     Enfim, a sede do Parque, com café com biscoito pocazói pra aliviar as tensões. Aproveitamos pra planejar os passos seguintes, já que o tempo de prova estava acabando, os PCs da serra eram mais delicados de encontrar e a volta não seria tão simples como gostaríamos. Decidimos achar o PCE e descer a serra de volta pro PC22. 



     Na cachoeira mais uma vez, antes de descer, um pressentimento. Me vi escorregando, caída no poço, afogada, com as pessoas tentando me socorrer. Ao invés de ficar intimidada, respirei fundo, ajeitei as luvas, enquanto via Vitor descendo meio desequilibrado. Comecei a descida de costas, tateando as fendas com os pés, depois fiquei meio de lado, no fim das contas estava agachada. 
     Mais tarde, no buzu, Vitor me contou que teve o mesmo pressentimento no mesmo lugar. Enfim...
     Dali em diante era mamão com açúcar e não teve abelha certa. Logo chegamos na transição e fomos nos organizando. Minha Lulu Kroger tava até lá, super de boa, dizendo que sua equipe resolveu dormir um pouco antes de seguir pra chegada. Os encontros com os amigos, prova afora, são tantos que citar todos aqui geraria folhas e folhas de resenha. Sigo sempre agradecendo pelos amigos e pelos encontros. 💙💚💜
     E se vocês acham que o resto da prova foi só chegar, aí é que se enganam. Tivemos mais ladeiras, mais rios pra atravessar, lama magnética em quantidade suficiente pra roda parar de girar, pras sapatilhas ficarem pelo caminho, pra ver gente lavando bike com baldinho de água na casinha da fazenda. Até o canote da bicicleta de Mau resolveu quebrar no PC 23, bem dentro do lamaçal. Mas esses meninos dão conta de tudo e tem todas as ferramentas. Foi só tirar o restinho de carbono que tava dentro do quadro com um alicate de João... o homem tem uma bolsa de bike de fundo falso, que abre um portal pro universo. Tem de tudo que se puder imaginar e não faz volume... 

     A bicicleta de Maurício virou um velocípede, e o miserável foi até a chegada com o banco lá embaixo, embora, mesmo assim, pedalasse melhor do que eu. Ai que humilhação! Ele só faltou me empurrar, mas empurrou Vitor numa ladeira, só pra fazer graça. No fim das contas, quando a fazenda acabou, foi lama magnética voando pra todo lado, ladeira abaixo. Deu charme no visual! 
     No PC 24, quase fim de prova, dispensamos o rock garden, pegamos o trechinho maior, de descida a vida toda. Parecia que não ia chegar nunca mas a gente já sabe que chega. Chega sim! 

Foto: Fred Barbosa

Foto: Fred Barbosa

Foto: Fred Barbosa
     E chegamos, com vinte e algumas horas de prova, fazendo festa, com festa, com os amigos na praça, com as fotos do nosso Fred, com o calor humano da família Coelho, que também é nossa, das Mandacaruzetes, de Lenoca, do anfitrião Walter Guerra, que se fez onipresente, junto com Daniel, acompanhando nossos passos, como que nos protegendo. 

Foto: Fred Barbosa
     Cerveja numa mão, costelinha de bode na outra, rock nas alturas, coração cheio de alegria, acabamos mais um Desfaio dos Sertões! 
     Agora, nesse momento, usando rampas de deficientes e elevadores, coisa que não é do meu feitio, e faltando nove unhas dos pés, tô aqui, humildemente, agradecendo ao Desafio dos Sertões por toda ribanceira, por toda chuva, pela noite escura, pelas abelhas, pela cobra, pelo coelho (o bicho mesmo) e pelos jacarés. Valeu por cada ferroada, cada tropeço, cada poça. Foi bom demais! 
     Valeu Aventureiros todos, amores da minha vida! Especialmente, valeu João, Mau e Vitor! Vocês são muito foda, nós somos muito foda juntos! É zero de problema, basta um olhar pra gente se entender. O aperto de mente de João é na medida certa, a hiperatividade de Mamau é na medida certa, Vitor é todinho na medida certa (e todo lindo! 💘). Só eu que dou aquela destoada de vez em quando...😂😅! 
     Acaba não mundão véio, que eu quero é mais! Agora é Batalha Mutuípe, capenga mesmo!

"Milagres acontecem quando a gente vai à luta!" 

Comentários

Unknown disse…
Uau!! Que resenha incrível Lu!! Revivi tudinho! Vc foi cirúrgica com as palavras sobre as sensações e emoções q o DS nos causa! ADOREI! PARABÉNS a vc e sua equipe! Sou fã! Bjs

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